sábado, 23 de agosto de 2014

Coração de poeta VI



Testando o meu instinto poeta
Agora, levemente alterado.
Eu não escreveria em linha reta
Se não fosse o teclado.

Ouvindo, também, música e
Pensando esporadicamente
Na vida. Agora eu penso
Em alguma rima. Túnica.

Por que quero rimar sempre?
Por que procuro a perfeição?
Já não basta encontrar alguém
Que me dê bastante afeição?

Tento distinguir amor de paixão,
Mesmo levemente alterado.
Aliás, redundantemente alterado
De tão alterado. Mas não cai no chão.

Você que está lendo essa porcaria,
Espero que goste da poesia.
Para mim, isto está um lixo,
Mas um lixo bem sincero.

Não há nada mais sincero que a embriaguez.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Coração de poeta V



Cada um corre de um jeito,
Cada um tem o seu sorriso,
Cada um tem olhos lindos
A seu jeito.

Alguns priorizam a alegria,
Outros acreditam na tecnologia.
Uma mistura de prioridades,
Uma salada de diversidade.

Podem se jogar em um problema
Ou correr disto a todo custo.
Lutam por um mundo justo
Ou não medem a sua capacidade.

Todos viemos pelo mesmo mecanismo
– isto é, nascemos do mesmo jeito –,
E todos acabaremos em decúbito
A seu jeito.

Eu sigo meu coração de poeta
De um jeito bem idiota,
Espalhando amor e vida.
Privada entupida.

Isto foi aleatório
Ao jeito do Giovanne.
Vasilhame.
Aspartame.

domingo, 10 de agosto de 2014

Diga que me ama



O homem anda cautelosamente pela sala, se encolhendo contra a parede. Os seus passos não produzem som, o seu deslocamento no recinto não produz vento, o seu rosto não produz suor e os seus olhos não produzem... Piscadas. Com a arma empunhada, ele caminha taciturno e frio pelo local. Ele usa luvas, ele usa máscara, ele usa coturnos, ele usa um sobretudo, ele usa óculos escuros.
                – Quer pipoca, amor? – ela estende o balde de pipocas amanteigadas para mim.
                – Quero, obrigado. – digo, e logo em seguida beijo o topo da sua cabeça.
                Nós dois estamos debaixo de um cobertor, estirados lateralmente no sofá, o seu corpo delicado sobre o meu. Estamos assistindo filme em uma paz confortante. Aconchegados numa escuridão gostosa. Pego uma porção de pipocas e as levo a minha boca. Faço um cafuné no cabelo perfumado e liso da minha linda Aurora. Eu amo o seu nome. Eu amo pipocas amanteigadas. Gosto do cheiro dela e delas.
                – Eu amo você, e nunca vou cansar de dizer isso. – digo a ela.
                Ela me olha nos olhos e dá um sorrisinho tímido que abraça o meu coração e abranda os meus sentidos mais inquietos. Ela volta a assistir à televisão.
                – Eu também amo você. – ela diz.
                Agora eu acaricio os seus braços lisos com uma ternura que eu não sabia que existia dentro de mim. Ela me desperta os sentimentos mais inertes, é por isso que eu a adoro. Escuto a sua boca mastigando, mascando.
                O homem para subitamente, próximo a uma porta. Devagar, após uns segundos de tensão e quietude simultâneas, ele abaixa o trinco, espia e revela aos poucos o seu corpo ao inesperado. No cômodo há uma pessoa dormindo na cama, debaixo de um cobertor, sozinha. O homem empunha a pistola de modo a mirar no corpo repousado e caminha sem causar quaisquer distúrbios. A arma tem um silenciador.
                – Como foi o seu dia hoje? – pergunto, encostando o meu nariz no seu cabelo e inalando o seu perfume delicioso.
                – Foi legal, bem bacana. – ela responde. – Uma correria só, estou cansada.
                – Tudo bem, pode descansar nos meus braços, amor.
                Ela olha para os meus olhos.
                – Obrigada. – ela diz. Volta a assistir o filme. Come mais pipocas.
                – Eu gosto muito de assistir filmes com você.
Eu puxo a sua mão com delicadeza e afeto e encosto os meus lábios úmidos no dorso. Continuo segurando e a levo até acima dos seus peitos. Seu coração pulsa. O meu está maluco faz um tempo já.
                O homem levanta o cobertor gradativamente. Vários travesseiros são revelados aos poucos. Ele rapidamente nota este imprevisto e, ao mesmo tempo em que ouve um clique de revólver, leva a mira da pistola até o canto do quarto. “Ora, ora, se não é o Andrew”, diz o outro sujeito do canto da sala, o do revólver, “você acha que me engana com essa indumentária cafona?”.
                Aurora ri. Aquele tipo de risada que não foi contida e escapa. Eu sorrio ao ouvir a sua voz femínea. Odeio filmes dublados.
                – Vamos tirar uma foto para guardar esse momento? – pergunto a ela, olhando para o seu rosto.
                – Vamos. – ela responde.
                Reviro-me um pouco – há todo um peso feminino sobre mim – e pesco o meu celular do meu bolso traseiro. Aurora se ajeita em mim, trazendo o seu corpo mais para cima, de modo que nossas bochechas se encostam. E são mornas. E lisas, claro, como o esperado de uma linda. As dela, claro, as minhas bochechas são terríveis, horríveis.
                Enquadro os nossos rostos felizes na tela do celular, utilizando a câmera frontal, e bato a foto.
                O homem disfarçado, da pistola, diz “você é mesmo muito perspicaz, Roger. Eu não esperava mesmo que não o fosse”. O do revólver – Roger – diz “e você, meu caro, me decepcionou”. Ambos se aproximam enquanto falam. “Você achou que eu era tão magro assim?”, Roger diz e aponta para os travesseiros, “faça-me o favor, eu sou uma baleia fora do habitat natural”. Ambos riem ironicamente, com uma dose fatal de escárnio.
                – Gostou da foto, bebê? – pergunto, mostrando a foto.
                – Está boa. – ela responde, sorrindo timidamente. – Amor.
                Beijamo-nos por um instante.
                Andrew diz “quem diria que a nossa longa e boa amizade se tornaria nisso, nessa acidez e cada um apontando uma arma para a testa do outro?”. Roger diz “eu estou apontando para o seu coração, bobinho”, em tom sarcástico, “nunca fomos amigos, entenda isso, seu alucinado”, complementa.
                Contorço-me e guardo o celular no bolso.
                – Amor, que horas são? – Aurora pergunta.
                Contorço-me e retiro o celular do bolso.
                – São quatro e meia. – respondo, encarando a tela do aparelho.
                – Está na hora de eu ir.
                – Não quer ver o final do filme?
                – Não, querido, desculpa. – ela se levanta. – Tenho clientes me esperando e o combinado foi de duas horas somente.
                O cobertor sai de cima de mim, e também Aurora. Segundos atrás eu estava quente e confortável, mas agora estou frio e sinto-me despido. Levanto aos poucos, tirando a carteira do outro bolso traseiro, enquanto Aurora retoca a maquiagem em um espelhinho portátil.
                – Cem reais? – pergunto, revirando a carteira e juntando as notas miúdas.
                – Cento e cinquenta. – responde, passando batom.
                – Tudo bem.
                Ela pega as notas da minha mão e coloca na sua bolsa. Eu abro os blecautes e a luz intensa do dia penetra no interior da minha casa. Acompanho Aurora até a porta da frente. Abro a porta, deixo a mulher passar. E ela passa, deixando um rastro de perfume.
                – Tchau, Aurora, tenha um bom dia e um bom trabalho. – digo, quando ela está há uns cinco metros de mim, em sentido a atravessar a rua.
                – Na verdade, meu nome é Carla, querido. – ela responde, agora parada. – E, por favor, não me procure mais. Eu não costumo fazer esse tipo de coisa. Isso não é o tipo de coisa que uma prostituta faz, entende?
                – Entendo, tudo bem.
                – E, por favor, apague aquela foto.
                – Sim, eu iria apagar mesmo. Acredite.
                – Pensando bem... – ela volta a mim, os seus saltos altos baqueando. – Apague agora, quero me assegurar que você vai apagar.
                – Tudo bem.
                Eu retiro o celular do bolso e ela para ao meu lado, com os braços cruzados. Apago a foto e faço questão de que ela veja isso. Ela olha para mim, esboça um sorriso tímido. Como se não quisesse realmente sorrir. Retorna ao seu trajeto anterior, distanciando-se de mim.
                – Tchau, Carla, tenha um bom dia e um bom trabalho. – digo.
                Ela não responde.
                Entro em casa. Fecho a porta. Sento no sofá. Agora tudo está iluminado e reticente aqui dentro.
                Roger diz “eu não sei por que eu estou falando com você. Sério, que idiotice, eu tenho uma arma encostada no seu peito”. Andrew retruca “e eu com essa arma encostada na sua testa. Engraçado, cadáver não fala”. Roger diz “é mesmo”. Roger atira subitamente. Andrew morre sem cerimônias e cai no chão, produzindo um som surdo. “Então cale a boca”, diz Roger.

sábado, 9 de agosto de 2014

Coração de poeta IV



Somente eu acordado, no escuro.
Fico pensando como você pode estar,
E se ainda se lembra de nós. Penso
Se pensa no passado ou se foca no futuro.

Diga que eu estou estagnado,
Diga que eu estou enganado,
Diga que eu não me livrei da corrente,
Diga que eu não andei para frente

Ou

Diga que eu sou muito patético,
Que nisso não há nada poético,
Que perdi tempo demais da vida
Acreditando no que sempre foi mentira...

Enfim,

Diga o que quiser para mim,
Contanto que diga algo.
Volte esporadicamente,
Mas não fique para sempre.

Suma. Volte.

Enquanto eu remoo, relembro
E quero saber da vida que está vivendo,
Você vive a vida como se eu não existisse...

O que você ainda faz na minha cabeça?
Eu pensei que eu quisesse que você sumisse.
Por favor, desapareça...

Essa poesia não é para ser bonita,
É para ser triste.

Isso nunca chegará a você,
Nunca encontrará os seus olhos
E tampouco o seu coração.

Obrigado por me encher de confusão.
A ironia é o meu primeiro presente
E você nunca vai receber.

Cadê você?

Aliás,

Não quero saber.