sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Mundo Arte

Guerras retratos,
Fantasias,
Não relatos.
Covas vãs.

Arte,
Não morte.

Instante sempre.
Sempre eterno.
Infindável crepúsculo,
Perene inverno.

Deuses e demônios,
Traços de obra.
Não duelo nem poder,
Ou lábia de cobra.

Estrelas longínquas,
Jamais entendidas.
Pingos de tinta,
Perspectivas.

Um por todos,
Todos por um.
Nada absoluto,
Nada de luto.

Tudo se conserva.

Simples, complexo;
Brincadeira, profissão;
Funeral, sexo;
Sinônimos.

Sem distinção.

Sem laços,
Sem pedaços,
Sem abraços,
Nem afeto.

Admiração.

Sem vácuos,
Sem momentos,
Sem tempo,
Nem concreto.

Abstração.

Todo tudo,
Todo nada,
Este mundo,
Conto de fada.

sábado, 27 de novembro de 2010

Unicórnio

-Estão comemorando o quê?
-Como assim "comemorando"? Isso aqui é um velório, cara!
-E o que acontece no velório?
-Enterra a pessoa na terra.
-E por que essa comemoração?
-Já disse que não é comemoração!
-Pra quê esse ritual?
-Que ritual?
-A comemoração.
-Esse ritual não é uma comemoração.
-Então é o que?
-Velório.
-Você gosta de velórios?
-Lógico que não, cara!
-Então por que está aqui?
-Porque gosto daquela pessoa.
-Que pessoa?
-Aquela ali.
-A empalhada?
-Não, cara! Ela está morta e é o meu pai!
-Você gosta de mortos?
-Não!
-Por que está aqui então?
-Meu pai.
-O morto?
-É... Gosto dele.
-Então você gosta de cadáveres.
-Não!
-Então odeia seu pai.
-Não!
-É difícil falar com você.
-E você, faz o que aqui?!
-Gosto de mortos e comemorações... Cadê o champanhe?
-Que champanhe?
-Pra bebê.
-Caralho, isso é um velório!
-E daí?
-E daí que não tem champanhe!
-Se você não gosta de nada e não tem bebida, por que está aqui?
-Estou aqui porque...
-Ah, já sei, é aquela gostosa ali, né?
-Quê? Porra, cara, é minha irmã!
-Parabéns, safadão.
-Pare, cara...
-Gosta de chorar?
-Não!
-Ué? Por que...
-Estou chorando porque sim!
-Não precisa aumentar a voz! Safadão!
-Pare...
-Por que deixam o caixão aberto?
-Pare.
-Por que o cara não tá pelado?
-Pare!
-Não vão queimar o boneco morto ali?
-Vou te matar!
-Respeito com os mortos, cara.

-Calem a boca seus filhos da puta! Respeitem os mortos aí!

-Viu o que você fez?!
-O que eu fiz?
-O cara gritou com a gente!
-Não, não gritei com ninguém.
-O cara gritou!
-Então não fiz nada.

-Em nome do pai...

-Que pai?
-Hora da oração, quieto!
-Orando pra quem?
-Para Deus, lógico!
-Como assim "lógico"?
-Como assim "como assim"?
-Quem disse que o seu Deus é absoluto e único?
-Ninguém disse!
-Nananinanão, você disse!
-Então por que perguntou?
-Você acredita em unicórnios?
-Não!
-Por quê?
-Como assim "por que"? Isso é ridículo e infantil.
-Acredita em Deus?
-Sim!
-Por quê?
-Por que não?
-Por que não acreditar em unicórnios?
-Porque eles não te salvam. E não existem!
-Deus existe?
-Sim.
-Ele salva?
-Sim!
-Eu acho que não, em... Quero dizer, olhe praquele cara ali deitado.

-Amém.

-Pronto, tá feliz?! Perdi a oração!
-E daí?
-E daí que... AAAAA!
-Não estou feliz, e você? Está?
-Não!
-Não devia mesmo, fica orando pra uam coisa que não existe e seu pai está morto.
-Pare, cara.
-Com o que?
-Pare de falar!
-Não gosta de mim?
-Não!
-Então por que fala comigo?
-Deus, tenha misericórdia dessa alma! Não sabe o que faz, Pai!
-Está falando com o seu amigo imaginário ou com o cara empalhado ali?
-O amigo imagi... Deus, caralho!
-Você me odeia?
-Sim!
-Então pare de falar comigo, caralho! Você tem sérios problemas.
-VOU TE MATAR!
-Não me mate! Socorro! Polícia!
-AAAAA, ME LARGUEM!
-Esse homem é louco e fala sozinho! Quer me matar e é incestuoso!
-VOU TE MATAR, SEU FILHO DA PUTA!
-Louco! Insano!... Tchau, cara.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Todo de nada

Onisciente fosse;
Vácuo a preencher
Salgaria o doce
Poder de aprender.

Então onipresença;
Amor morreria,
Nasceria ausência
De saudade que ardia.

Onipotência acesso;
Sorriso, utopia, iguais.
Assim como o resto,
Vitória jamais...

domingo, 7 de novembro de 2010

Se eu estivesse vivo


– Se eu virasse um zumbi, você me mataria?
– Como que mata zumbi?
Travis e os dilemas, este cara não pára com isso. Muitos deles são frutos de uma infância prolífica em pensamentos. Eu diria que o cara é uma pessoa de mente aberta, mas estaria mentindo. A mente do indivíduo é escancarada. Pergunto de onde vem tanta imaginação, a resposta sempre é a mesma: “Sei lá”. No entanto, sempre temos nossos palpites. Um deles é o de que a infância não tão cheia de laços afetuosos tenha gerado maior tempo de ócio e reflexão. Outro é que o papai noel despejou uma substância radioativa em suas vias nasais de Travis dormindo, enquanto tirava a poeira da chaminé da própria vestimenta grossa e vermelha e comia também biscoitos. Se não fosse os dilemas talvez ele não tivesse amigos. Tem alguma coisa a ver com o carisma dele.
O simples motivo de eu estar fazendo isto tudo é a auto-satisfação. No caso de eu lograr sucesso em meu objetivo central, minha vida se transformará radicalmente. Estará feita, com certeza. Nem a morte é algo que me impeça de tentar cada vez um pouco mais. Pode parecer fútil, morrer sem necessidade, mas é mais profundo do que imagina. Mentalize um lago bem profundo, onde uma pedra jogada vai pro fundo. Então, o topo deste acontecimento realizado é mais profundo ainda.
Não que eu vá morrer, mas não posso negar fatos, os riscos são exorbitantes.
E também, depois de terminar isso, morte não mais será uma preocupação.
– Todo mundo sabe que precisa acertar a cabeça. – explica melhor. – Se você virasse um, eu o mataria. – acrescenta.
– Valeu... Eu acho. – continuo andando e dou corda ao meu raciocínio: – Mas, zumbis já estão mortos. Ninguém morre duas vezes.
Nadando numa piscina de tubarões, à 300 km/h, em queda livre, escalando o monte Everest, enfim, qualquer coisa que esteja fazendo, Travis sempre virá com um dilema novo. Lembro de alguns, como o da vez em que fazíamos mountain bike há muitos metros do nível do mar: “Prefere ficar tetraplégico ou perder os braços?”. A resposta indicaria se você prefere sua aparência a sua saúde. Isso é o que Travis diz. Ele pensou nisso quando pensou em cair da trilha.
Eu gostaria ou não de ser imortal? Mas este foi de longe o mais fácil de ser respondido. Mentalize o tédio eterno... Pronto.
– Mas tinha que ser o Simon mesmo, levando tudo ao pé da letra. – comenta, olhando para baixo, para mim, para Simon.
– Ei, cuidado aí. Quase me derrubou agora. – advirto, olhando para cima, para ele.
– Foi mal, cara.
– É bem facinho de repetir isso. Cuidado aí. Esse negócio escorrega que nem salame com gel.
Outro motivo de eu estar fazendo isto, é a fama. Talvez não a fama do jeito genérico que está pensando: “luxúria, cifra obesa e narcóticos”. Supondo que isso seja plausível, afinal, alpinistas não recebem o devido reconhecimento, e é até bom não ser cercado por fãs idiotas e paparazzis. A fama da qual me refiro é o prestígio não globalizado, aquela que não envolve dinheiro e poder, e sim aquela que engloba o registro de uma história e orgulho para as gerações descendentes.
– Eu nunca te mataria. – falo seco.
– De onde tirou esta? Eu também não te mataria, já tá ficando louco!? – o tom daquela pessoa que se sentiu traída e se perdeu na confusão da vida nova. – Oxigênio já tá fazendo falta!? Só estamos a 4.500 metros.
– Tô falando dos zumbis... – explico calmamente. – Cuidado aí, cara, quase me derrubou de novo! Não faça muito esforço, olhe a altitude! 4.500 caralhos de metros!
– Por que não me mataria? Não gosta de mim? – estaciona por um tempo e gira o pescoço um quadrante, encarando-me com o rabo do olho.
O negócio das altitudes extremas é que o ar é extremamente rarefeito. Somando este fato ao frio igualmente extremo, tudo vai de ruim a pior a cada pegada impressa. Qualquer esforço maior do que o exigido o leva a sérios problemas físicos. Seu pior inimigo então será a fadiga. Mas, caso se esforce menos do que o preciso, não demore muito. O seu pior inimigo será o gás oxigênio. Não é simplesmente escalar a merda.
Ainda falando sobre morte, o pior de escalar são os corpos daqueles que uma vez tentaram. Corpos desde 1924, como o de George Mallory. Ou corpos mais recentes, mas dificilmente algum totalmente deteriorado, por causa da temperatura criogênica. Parecem vivos e mortos. Corpos de homens e mulheres jovens e de meia-idade, de corpos atléticos e enrolados em casacos. Alguns pendurados em cordas, outros revirados na neve, após um deslize. E seus equipamentos ainda ao lado, sepultados pelas intempéries hostis. Alguns ainda estão vivos e pedem por ajuda. Mas não podemos ajudá-los.
– Não entendi. Confesso que alguma coisa ou outra dos seus dilemas fazia sentido, mas não vejo nenhuma lógica neste. – sacudo a cabeça em sinal de descontentamento. – Não sou bem um homem da razão. Dê-me um motivo para eu te matar numa situação hipotética destas. – finco as picaretas na grande parede branca-neve de gelo e neve. Pauso um pouco para descanso. Não sei por que ainda o desafio a responder a própria pergunta, isso é simplesmente otário.
– Por que não me matar? – acopla as picaretas na parede-solo.
Travis tem incluído em sua filosofia a teoria da questão inversa, denominado segundo ele. Se uma pergunta não faz sentido ou é retórica, aplique um “não” ou algum outro tipo de negação e oposição à questão. A maioria dos casos é de afirmação para negação, mas nada impede que o inverso ocorra. E agora caí em uma de suas armadilhas: Por que não matá-lo?
– Porque não queria ver você morto. Eu gosto de você, sabe? – aguardo com receio a resposta. Não dei uma boa resposta.
Tem um corpo fincado pelos ombros ao nosso lado. Uma tábua de passar roupa. Que crueldade.
– Não cara, assim você mostra que não sente nada com imensa superficialidade. É algo mais profundo, como um lago profundo no fundo do mundo. – Travis segura firmemente nas picaretas coladas na montanha. – Olhe só que engenhoso: Caso 1: se você matar meu eu-zumbi, ou você me odeia muito e não quer me ver ou ser mordido, ou você me ama muito e não quer me ver neste estado e ser mordido. Caso 2: se você não me mata, é porque não significo nada ou porque não quer ser mordido. Então corre para as montanhas, no sentido figurado, lógico. – ofega.
– Então, você me odeia ou me ama? – pergunto acompanhando a sua fadiga.
– Eu te amo, cara. Não no sentido gay, credo. – os olhos dizem a verdade, embora seus óculos estejam meio embaçados. – Sabia que a casquinha de sorvete foi inventada em Nova Iorque?
– Não fale em sorvete agora, tá me dando frio.
– Chega de balela, vamos escalar esta cadela. – vira-se para frente.
Por que escalar a montanha mais alta, famosa e uma das mais perigosas? Não responda. Agora, por que não escalar? Travis é foda mesmo. Por que Everest não é a mais perigosa, se é a maior? Porque K2 é mais inclinada, imprevisível e mortal. Por que Everest é a mais perigosa?... Porque a teoria da questão inversa não é infalível. Eu não sou um homem da razão, me perdoem.
– Porra, que frio do Diabo. Não sei como estou surpreso, o frio é quase sempre o mesmo nas outras. Vicío idiota. – comenta consigo. – É a mesma coisa dos finais de ano: “Como o ano passou rápido!”. É um vício de surpresa irreal, o ano não passou rápido. Se for analisar...
– Cara, cagada...
– Não isso, se for analisar bem...
– Cara! Olhe para cá! – grito.
– Não grite! Você sabe que o esforço... – os óculos estão mais embaçados, mas consigo ver o contorno dos seus globos oculares quase saltando de órbita, que miram minha pessoa. – Caralho, cara! Que cagada!
Quebrei as pernas.
– Como fez isso?!
– Foi assim: Oba, vou escalar... Creck Crock! – arfo. – Não grite, caralho! Você sabe que o esforço...
– Foda-se o esforço! Olhe as suas pernas, cara! – aponta para elas, como se eu não soubesse o que está acontecendo com meu próprio corpo deformado. – Dói pra cacete?
Digo que não, não está doendo o quanto eu esperava. Deve ser o frio que amorteceu os membros. Dá para fazer uma cirurgia nesse lugar. Eu esperava por uma cena de choro agudo e excruciante. Não é uma dor do caralho, e sim uma dorzinha do caralho.
– Travis, eu te amo.
– Eu também, Simon – aproxima-se cautelosamente com derrapadas suaves. –, mas agora precisamos dar um jeito nestas...
– No sentido gay, Travis... Eu te amo. – falo com as mãos nos membros estourados. – Travis, me mate.
– Porra, cara! – os olhos quase caem em queda livre. – Desculpe-me, não posso te matar, eu gosto de você... No sentido hetero.
Rio.
– Cara, sou um zumbi. Não tenho para onde ir, estou deformado, praticamente morto, parecendo um retardado e uma ameaça a sua vida. Só não vou te morder, mesmo querendo. – digo, no sentido gay, não no zumbi. Gay demais até para mim. Acho que falei merda. – Mate-me, não quero ser um fardo e acabar matando a nós dois. – olho para minhas pernas e depois para seus óculos praticamente brancos. – Conhece o esforço, né?
Travis reluta por uns instantes que parecem mais gelados do que são, ou apenas são deste jeito mesmo. Pensa com os olhos. Olho para ele, penso com o coração. Momento gay demais até para mim. Depois dessa série de cagadas, quero morrer.
– Tá, eu te mato... – respira profundamente. – Morro junto.
Sinto que ele sente que eu sinto tremenda confusão na salada da discreta agonia e surpresa.
– Sempre quis pular de 4.500 caralhos de metros. – brinca, olhando para o horizonte que não é mais nada comparado ao que costumávamos ver lá embaixo. Não é nada. – Vou fazer isto porque te amo, cara. Seria injusto matá-lo e jogar o seu amor no lixo. Só não te beijo porque sou macho e nossos lábios iriam grudar. – chora e ri.
– Não, cara! Não precisa se matar! Realize o seu sonho! – com esforço cuspo as palavras em seco.
– Meu sonho? Ter uma amizade verdadeira e sólida. Pelo menos mais sólida que esta neve. – joga as luvas para o lado, que deslizam suavemente rumo à base do monstro gélido. Pega um punhado de neve com as mãos expostas. – Então, por que não me matar? – aperta tanto a mão que o branco radiante escapa pelos vãos dos dedos. – Sempre quis sentir o branco daqui. – os óculos se embaçam muito, umedecem, quando conversa consigo. Sua mão está avermelhada. – Essa droga tá enchendo o saco. – riso, choro, branco limpo disforme e óculos voando.
Picareta levanta, ao som do vento glacial. Silêncio do barulho levanta. Picareta deita, ao som de meus batimentos cardíacos.
Se eu estivesse vivo, não haveria amor. Não haveria lágrimas de gelo, não haveria história nem orgulho nem nada.
Se Travis estivesse vivo, não haveria esforço, nem haveria sangue nem picaretadas dolorosamente confortantes. Queda livre seria apenas sonho. Nossa história seria sonho real, passaria de boca em boca até a última geração muda. O hálito quente da conversa seria um orgulho.
O Everest nunca assistiu a tamanho espetáculo de compaixão, e coração frio ganhou um sentido novo.
Já que picareta e coragem existem, somos zumbis... Por que não?
E você, preferia estar morto ou vivo?
Morto-vivo. Por que não?

sábado, 23 de outubro de 2010

Rá-Tim-Bum

Entre, sinta-se à vontade. – assim entra o senhor. – Amor, quem é esse?
É o Sr. Charles.
– Puta que o pariu, o que eu disse sobre o Sr. Charles para você foi em vão? – pergunto. – “Linda, sem Sr. Charles nesta casa. Aquele velho maldito com Alzheimer”.
– Coitado, ele é uma criança. – Linda diz, batendo suavemente no meu ombro.
Todo ano é o mesmo ritual: ligar para a palhaçaria, ligar para o lugar de docinhos, ligar para uma porra de zona pra descobrir o preço do alívio, ligar...
– Paai! Olha o que eu ganhei! – Rhandy diz, puxando a minha manga e esticando os braços para mostrar o presente.
– Filho, atrapalhou o meu pensamento. – digo. – Ah... Que legal, um Max Steel.
– É Barbie! – birra, enquanto cruza os braços e franze a testa. – Barbie é coisa de menina.
Que seja, onde eu estava? Ah, ligar para a distribuidora de salgados e ligar para mais uma infinidade de lugares. O engraçado é que metade desta gentalha eu não conheço. Por causa desses indivíduos, tenho que dar cumprimentos avulsos a pessoas aleatórias. Mais engraçado ainda é que não consigo aproveitar a festa. Eu pago inteiramente o prazer dos outros.
– Amor, só faltam os Connor e os Wederson. – Linda me informa, enquanto desenha um risco horizontal por cima de algum nome, num pedacinho de papel com várias dobras.
Essas duas corjas têm uns pestinhas irritantes. Para ajudar, todos daqui estão famintos e a porra dos salgadinhos ainda não chegou. Pelo menos, o balão gigante com quinquilharias e balas está suspenso no teto... Foi só eu falar que esta merda caiu no chão.
Chego à cena do desastre, no meio da festa, com gente conversando aqui e ali, julgando a minha casa e os meus bens materiais. E a minha incapacidade de fazer tudo certo. Abaixo-me para pegar o objeto inflado de látex cinza-morto. Deu uma vontade de peidar, mas eu não peidei.
– Eles estão ficando irritados por causa dos salgadinhos, Scott. – Linda chega sorrateiramente e me avisa, com os braços cruzados, enquanto eu me estico para pendurar o balão. Do tamanho do meu saco. – O Sr. Charles está chorando, quer o seu pai, tadinho. O pai dele morreu, mas o Alz...
– Se você não percebeu, estou tentando arrumar esta cagada. Mande o Sr. Charles tomar no cu e mande todo mundo tomar no cu. – digo. – Tente arrumar a cagada do salgadinho, ligue para este número. – tiro um papel amassado do bolso e entrego a ela.
Linda pega o papelzinho e começa a desamassar, ao passo que eu me estico para pendurar a droga. Minhas costas estalam e doem pra caralho, Linda lê com uma feição esquisita. Consegui arrumar a bagaça, agora preciso de alguém para arrumar as minhas costas.
– O que é isso? – pergunta. – Donna “Punhetinha” Star, Bella “Bucetinha” Bellini e Ringo “Boquetão” Starr? – ela me encara com a testa crispada. – Venha conhecer as nossas garotas. Somente na boate do diabo você compra três cervejinhas e ganha uma punhetinha.
– Porra! – pego o papel da mão dela num estouro de velocidade e retiro o cheio de marca de dobras, o de salgados, do outro bolso, e entrego. – Ringo Starr é um traveco, não me pergunte o preço. – estou com a mão nas costas. – Faz uma massagem, depois?
Linda enraivece e sai de perto bufando e batendo os pés no chão, fantasiando ser um rinoceronte gordo. Essas drogas de balões, uma maneira de os adultos se divertirem, vendo o desespero das crianças para pegar os doces e bugigangas. Uma arena infantil, pão e circo. Salgados e balões... Pelo jeito, só balões. A campainha toca.
– Paai, tô com fome! – Rhandy puxa a minha manga e choraminga. Junto com ele, uma caterva de crianças vem. Como discípulos do macho alfa.
– Vá reclamar pra sua mãe. – respondo.
– Quero coxinha! – bate o pé no chão, franze a testa e cruza os braços. Faz beicinho odeio.
– Vá reclamar para a porra da sua mãe! – aponto com o indicador para a casa. – Pare de birra, moleque do caralho!
Rhandy sai batendo o pé, como um rinoceronte, à procura da sua progenitora. Só falta correr em quatro apoios para ser o dito animal. Ando em direção à porta de entrada e rezo para que seja a merda da distribuidora de salgados. Uma criança me segue, mas ignoro-a e continuo a caminhar. Chegando lá, abro a porta e me deparo com os Connor.
– Olá, Scott. – saúda Ronny... Ronny o caralho, é Ronald. Não sou íntimo dele.
– Olá... – respondo com certo ar seco.
– Olá, Scott. – aparentemente, os Wederson também vieram. Para isso eles são bons, só vêm para comer e dançar.
– Olá... – digo ao Harold Wederson, que segura o seu filho nojento pelo punho, o Steve.
– Olá, Ronny. – diz o Harold.
– Olá, Harry. – diz o Ronald.
– Amo vocês, caras. – digo aos dois.
Graças a Deus! Graças ao Diabo! Há uma camionete estacionada do outro lado da rua, de alguma distribuidora. Um rapaz sai de dentro dela e vem ao meu encontro. De repente, sinto alguém puxando a parte de trás da minha camisa xadrez suada.
– Tio, onde que é o banheiro? – pergunta-me a criança que me perseguia.
– Olá, Scott. – saúda Elizabeth Connor, que segura o porra-louquinha do Andy.
– É pra lá. – aponto para um lugar aleatório, a fim de me livrar a criança, que agora corre ao “banheiro”.
Não cumprimento Elizabeth e ela me olha com cara azeda, como se eu já não tivesse feito o bastante para abastecer esses filhos da puta. Eles entram e o rapaz da distribuidora está na minha frente, logo que viro a cabeça.
– Olá, aniversário de 4 anos do Rhandy Rhoads... O guitarrista? – pergunta, com um risinho.
– Lógico que não é o guitarrista.
– A festa é aqui, senhor? – diz o jovem, enquanto carrega umas caixas e lê um papel dobrado até o inferno, que retirou do seu bolso.
– É... Porra, são os docinhos! – berro, quando leio “doces” estampado em letra personalizada. “O” é um donuts, “C” é um donuts mordido e o resto não é porra nenhuma. Arranco um tufo de cabelo da cabeça, só para sentir uma dor gostosa.
O jovem me encara com uma expressão de interrogação, e digo que não é nada. Digo obrigado e pago a porra toda. Ele se retira e eu pego as caixas, carrego-as então para dentro. Vou caminhando contra a força peso de toda a porcaria açucarada sobre os meus lindos braços, e Linda vem ao meu encontro, batendo os pés no chão.
– Disseram que a distribuidora pegou fogo. – com a mão na testa. E depois coça as têmporas.
– Só pode ser brincadeira. – os meus joelhos envergam. – Quantos mil docinhos têm nessa merda? – jogo a caixa nas mãos dela e mando colocar na mesa. Pergunta-me “por quê?” e digo para somente fazer isto.
– Rhandy disse que você brigou com ele. – diz, segurando as caixas.
– Ele que não sabe ouvir direito.
– Coitado, ele é uma criança! – franze a testa. – Você está sem cabelo ali. – coloca o dedo na minha cabeça. Não digo nada.
Vou ao meio da conversa, no meio da “festa”. Linda vem junto, entretanto, nossos caminhos divergem. Grito para todos:
– Calem as bocas! – encaram-me com cara de boca calada e cerveja na garganta. – Hoje, todo mundo aqui vai comer docinho até vomitarem brigadeiros! Sem salgados! Entupam o cu dessa merda aí! – pego um punhado de brigadeiros e beijinhos da caixa e atiro na família Wederson, voa um pouco do meu cabelo arrancado neles. – Beijinho, Harold! Beijinho!
E assim inicia-se uma rebelião. Todos gozam da festa e eu gozo de uma raiva imensa. Todos alegres e eu ironicamente alegre... Agora, não tão alegres.
– Vão tomar no cu! Não mandei ninguém vir aqui!
– Onde estou? – Sr. Charles pergunta, perdido no meio do caos.
– No inferno! – retruco. Jogo um punhado de beijinhos e docinhos de uva nele. – Beijinho!
Linda começa a distribuir os docinhos uniformemente na mesa e a me olhar com cara de bunda. Chego perto dela e digo: “O que eu disse sobre os seus parentes foi em vão?”. Sinto alguém puxando a minha camisa. É a criança de antes. Ela não achou o banheiro. Aponto para outro lugar aleatório e ela some. Agora, alguém puxa a manga esquerda.
– Paai, Andy me chamou de piazão de merda!
Puta que o pariu. Pergunto onde ele está e Rhandy me guia. Caminho um pouco mais e avisto Ronald Connor em frente. Chego perto da roda de crianças e vou empurrando, perguntando onde está o bostinha do Andy de merda. Rhandy chora e eu encontro o desgraçadinho, com o seu pai ao lado, rindo. Há um palhaço pedófilo no fundo, o que eu contratei.
– Tá rindo de quê, filho da puta? – afronto Ronny... Ronald, porra.
– É esse, pai. – meu filho aponta para o Andy boca-suja.
Aproximo-me dele e agacho. Ronald diz: “Como é que é?” e eu o mando tomar no cu.
– Escute aqui, pirralhinho de merda, o que foi que você fez ao meu filho? – cara a cara com Andy. Mano à mano, homem à praga.
– Cale a boca, bundão. – levo um tapa na cara. Rhandy começa a puxar a minha gola, dizendo para eu parar com isso, com o rosto todo molhado em lágrimas. Ronald ri e digo a ele: “Pare de rir, palhaço!”. Daí o palhaço colorido papa-anjos pergunta quem o chamou, com aquela voz de idiota querendo fazer graça, o mando tomar no cu.
– Olhe aqui, filho da puta! – direciono-me a Andy, o pivete.
– Pai, pare. – Rhandy continua a puxar a minha gola, me enforcando.
– Pare de falar merda pro meu filho, ok? – balanço o indicador na cara do Andy. – Filho, se aquele palhaço ali passar a mão na sua bunda, me chame, para eu estourar o saco dele. – aponto para o palhaço profissional em palhaçadas, o amarelo e vermelho e branco e azul.
O pestinha ri e cuspe na minha cara. A campainha toca e Rhandy me enforca de vez. Ronald fala para parar e Linda está tentando conter a multidão. As outras crianças gozam de uma festa infantil, com os brinquedos de Rhandy – quebrando os brinquedos dele – e a outra criança perdida do banheiro começa a puxar a minha camisa novamente.
– Quem me xingou de filho da puta? – o palhaço das cores chega e engrossa a voz.
– Para, Rhandy, para! – grito ao meu filho, que começa a chorar. O fundo é composto por campainha e gritos de criança e adultos acriançados. Cheiro de caos. – Ninguém te chamou de filho da puta, mandei você tomar no cu. Então, vá tomar no cu, bozo filho da puta! – soco o palhaço no pau dele. – Vá tomar no cu! – dou um murro no nariz do Andy. – VÁ TOMAR NO CU! – dou um gancho no queixo de Ronald. – VÁ CAGAR NO MATO! – berro ao moleque do banheiro.
Corro para atender a campainha e deixo todo mundo chorando, inclusive Ronald-mandíbula-partida, lavado no sangue do seu filho da-face-afundada. Inclusive as crianças que viram a demonstração de brutalidade, que parasitam os brinquedos de Rhandy, choram insanamente. Indo à porta, Linda corre atrás de mim. Nós dois fazendo um jogging e ela diz que a multidão está um saco. Digo a ela que avisei que estes parentes são uns filhos da puta interesseiros e abro a porta de entrada.
– Olá, gato!
– Porra! O que essa puta está fazendo aqui? – grito com as mãos nas têmporas.
– Quem é essa? – Linda grita comigo e me empurra.
– Bella “Punhetinha” Bellini! – grito com Linda. – Não me empurre, buceta!
– Como você sabe?
– Não sabe, pelo jeito. É “bucetinha”, senhor. – fala Bella.
– Vá tomar no cu! – dou um soco cruzado na cara da puta. – Eu comi ela, Linda. – minha mulher sai correndo e chorando, como uma hiena chorando. – E a merda dos salgados não veio, que piada! – devo ter confundido com o puteiro, que piada.
Ando para dentro de casa e a puta vem atrás de mim, batendo os seus stilettos vermelho-vivos no chão de concreto. Começa a me xingar de tudo e eu a ignoro. Passo pela multidão inconformada e o Sr. Charles aparece na minha frente, perguntando onde está o banheiro. Mando-o tomar no cu e dou um soco na sua barriga. Sinto um cheiro de merda recém-cagada e continuo a andar e a ignorar a meretriz trovejante, que me segue. Começa a chover uma chuva trovejante. Passo no meio da criançada e Ronald tenta dar um soco na minha cara. Abaixo-me e ele acerta Bella, ouço algo quebrando... Nariz? Deve ser a plástica do nariz da puta que acabou de virar uma massa disforme.
Entro em casa, as crianças chorando e Rhandy no colo da sua mãe, com sangue de Andy. Linda diz: “Hora do parabéns, vamos para fora, crianças”, tenta despistar o caos, apaziguar a situação. Apaziguar vestida de sangue. Assim, todos vão para fora e engolem o choro, eu entro mais e vomito ódio. Subo ao Sótão...
...No caminho para fora, indo ao “parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades...”, encontro a puta e o Connor brigando. Bella vence por nocaute, algo de Ronald quebra. Alguns ainda choram, durante a cantoria.
– Muitos anos de vida! Parabéns, idiota. – disparo à queima-roupa nos peitos artificiais dela. – Odeio palhaços! – estouro o genital do palhaço que geme de dor no chão, com mão no escroto que a criançada mexeu.
“É pique, é pique é piquenique... Rá-Tim...”.
– Bum. – descarrego a espingarda na cara do Charles-chorão, ao mesmo tempo em que cai um raio, acompanhado de um trovão alto pra caralho e um relampâgo claro pra cacete. – Hora do balão, criançada! – estouro a merda cinza e pendurada, cheia de porcarias aleatórias. Carrego a espingarda. Chove lá fora e chove porcarias aleatórias bem abaixo de onde se encontrava o balão. – Quem quer bala?