Já está anoitecendo e ainda permaneço na cadeira de
balanço, fora de casa. Meus vários gatos estão nas minhas pernas. Alguns
passam se esfregando, outros se esfregam e se deitam, alguns miam e alguns se
lambem.
– O que foi, meu amor? – pergunto
ao gato que mia. – Mamãe te ama, meu lindinho. – faço carinho na sua cabeça.
Na medida em que o chá esfria, o
dia escurece e a brisa esfria. Continuo bebericando da xícara com os meus dedos
trêmulos abraçados na asa, quase derrubando tudo no chão. Ainda está quente e
tenho medo de queimar a boca. Faço esforço para não derrubar nada nos meus anjinhos,
e não me balanço na cadeira para não machucá-los.
Eu deveria ter olhado mais ao
meu redor, ao invés de concentrar minha atenção para dentro de mim. Eu deveria
ter pensado mais no significado das ações alheias, ao invés de procurar significado
para as minhas.
Um menino muito carinhoso e de
um coração enorme vivia conversando comigo, seguindo os meus passos. A atenção
dele era especial, era ímpar. Eu deveria ter aprendido com ele, eu poderia ter
aprendido muitas coisas com esse rapaz. Eu não sabia o que eu queria,
realmente, pois eu estava ocupada demais pensando em mim. Mas, esse garoto via
além do visível e percebia que, no fundo, eu queria mais era ficar ao seu lado
para sempre.
Um gato sobe no meu colo. Ergo a
xícara para ele não se queimar. Acaricio o seu corpo deitado e macio. Beberico
com muita vagareza o chá. O gato esquenta, aos poucos, o meu colo. Espero que
ele me ame.
Eu deveria ter aproveitado o
presente, ao invés de temer o futuro.
Os dias foram passando, e com a
convivência o menino se aproximou de mim. Não lentamente, nem rapidamente, ele
se aproximava com a sua intensidade característica. Nós nos divertíamos muito,
ríamos como loucos. Ninguém mais compreendia a nossa loucura. Todos viam que
nós nos dávamos muito bem.
Resolvi dar uma chance a nós
dois. Eu me sentia muito bem com ele, eu podia fazer qualquer coisa que eu
sabia que ele iria me perdoar e continuar me amando. Aquele seu sorriso radiante dava brilho à vida. Porém, o seu amor era tão grande
que acabou me sufocando. Eu me afastei dele aos poucos, e ele insistia em me
seguir. Eu sempre amei a liberdade e essa pressão estava deteriorando a nossa
relação. Eu tinha muito medo no buraco em que podíamos acabar. Ele estava cego,
ele não percebia que estava me fazendo mal assim. Eu comecei a questionar os meus sentimentos. E então eu corri.
Corri o mais rápido que pude,
para o mais longe que pude.
Nunca mais tive notícias do
menino. E, sinceramente, eu vivi muito bem sem ele.
Agora eu temo o presente e não me
há mais futuro. O que me resta é o passado.
– Mamãe te ama muito, meu bem. –
digo ao gato do meu colo. – Ouviu, meu querido? – ele não responde, está
dormindo.
A esperança não é uma virtude. O
que mais vale nesta vida é a perseverança, a força de continuar em frente em
prol de um objetivo. Persistir em uma decisão é o segredo da felicidade. Se você
deseja o topo da montanha, deve-se enfrentar toda a escalada. Esperar não trará
o topo a você. Ninguém disse que é rápido e ninguém disse que é fácil. Mas,
ninguém disse que é impossível. Os obstáculos são abstrações da mente.
Acontece que não era somente ele
que tentava se aproximar de mim, mas isso também acontecia com todo o restante
de pessoas que me cercavam. O menino apenas estava insistindo em abrir os meus
olhos para que eu enxergasse isso. Ele era muito corajoso. Ele não temia as
dores, ele não via obstáculos, ele não temia o futuro. E ele sabia muito bem
que queria partilhar a sua vida comigo, e vice-versa.
Hoje, muitas décadas após, eu
tive a notícia de que esse menino morreu.
Eu me orgulhava dos meus
princípios. Agora de nada valem.
Eu não costumava perdoar os
erros graves dos outros. Agora ninguém me perdoa.
Eu deveria ter valorizado as
pessoas. Agora é tarde.
Estou livre para fazer o que eu quiser,
mas não há nada para fazer.
Meu chá está frio. O Sol sumiu. Eu
costumava gostar da minha companhia.
Eu levanto da cadeira, com
cuidado, minhas pernas tremem a cada passo. Jogo o chá fora e carrego um por um
os gatos dorminhocos para dentro de casa.