segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Obra do acaso


Coincidência escolta os cérebros faiscantes a crendices. Os indivíduos com as massas cinzentas em curtos-circuitos de verdades deliram, é uma regra de poucas exceções. Tente encarar esta afirmação do jeito que pretende acreditar. A verdade é que há mais coincidências entre nossas vidas que nossa vã imaginação possa tentar explicar. Creio que lendo o resto dos relatos abaixo descobrirá o real significado desta porrada de letras.
“Merda ruim”, você, pessoa do singular, disse à maçã que acabara de comer. Daquele tipo que odeia, meio mole por dentro e que se esfarela facilmente. O ódio era fruto do gosto que se esfacelava e deixava muitos rastros confusos na periferia dos dentes e sob a coberta da língua gorda e molhada. Um dia após a blasfêmia contra a mãe natureza e está beijando o asfalto. Com borracha sustentável em sua nuca. Peido de pressão a mais, e você se caga. O momento consegue ficar pior, mais que insuportável, bastasse o cheiro moído de calor com fezes frescas. O dono do Timberland que massacra sua nuca cada vez mais fala alguma coisa e “Cheiro de merda”. Depois que decifra a mensagem, você é empurrado brutalmente pela camurça esverdeada do Timberland. Gira 540º e tacam merda na sua boca judiada. O remanescente de bolo fecal entre suas nádegas peludas se esfarela a cada movimento de pernas.
Quando desce as escadarias de sua casa de burguês, a passos delicados de princesa sem sapato, ainda com reto dolorido e também o jejuno-íleo por um motivo estranho, você pensa  na maçã de merda. Pensa na merda com gosto de merda com maçã de merda no meio. Pensa no carma. Tudo a reflexão sem sentido aparente vem depois do episódio da merda quente e gelatinosa.
Carma? Não, coincidência.
Ou então, está querendo “pegar” – como seus “amigos” musculosos falam – aquela menina do sorriso gostoso e dos olhos castanhos profundos, muito mais do que olhos podem ver com certeza. A menina dos sonhos, aquela menina bonita e gostosa que baila graciosamente em qualquer pesadelo pior que possa imaginar. O jeito que as nádegas se movem não há palavras que possam enfeitar, pois é a própria definição de perfeição.
No entanto, você é um covarde maricas, melodramático e com dúvida acerca da sua sexualidade. Cada imaginário ato é precedido por um conflito interno de interrogações e exclamações desnecessárias. Tudo isso é novo e aquela menina está chegando perto, na medida em que a sopa de sinais acrescenta diversos trios de pequenos pontos unidimensionais. Reticências, reticências...
É patético lembrá-lo disso, mas você usa óculos de aros grossos, parece um pateta e talvez seja, usa também suspensório que mamãe comprou e camisa da vovó que fede a mofo mesmo com uma lavagem intensiva nuclear. Mesmo assim, a menina olha para você sem ao menos intercalar a conexão tensa intensa com pálpebras indecisas. Como se você, reles estudante, fosse algo mais do que olhos podem ver. E também é notável que não há hesitação em qualquer movimento. Não se belisque, não acabe com o sonho.
Um beijo, inesperado. Agora, tudo é tão bom e novo. Seus materiais de matemática e física caem no chão sem a piedade da gravidade, e quiçá a dona do ósculo entortou seus óculos de lentes redondas, com a testa celestial e refinada. Não importa, mamãe dá um jeito. Não importa, chuta os livros, se preciso. Pouco interessa os danos, é tudo tão bom que o fim seria a decepção maior que o dobro do prazer.
E não é um sonho. Mas como tudo que existe acaba, isso acaba, por existir.
E quando a vibrante conexão intensa e quente se dissolve, quando os lábios se afastam delicadamente, grudados em últimos instantes – cada segundo é um instante –, você recebe piscadinha marota e um gestosurpresa depois” com o dedo feminino que se move de algum jeito. Ambos instantes seguidos por seus pés batendo no piso em progressão geométrica oscilante, o levando a algum lugar por imensa conta própria, a revolução dos membros.
É engraçado que agora você não pensa em cálculo integral nem em geometria analítica quando um movimento humano se apresenta. Não restam dúvidas, você não é homossexual. E percebe também que Deus meteu o dedo na sua vida. Não pode ser mera coincidência,  tem vestido todas as porcarias que vovó confecciona, embora ridículas, suéteres infantis e xadrezes demais. Você tem sido impecável anjo para mamãezinha querida do coração, que não quer saber em tentar frear, galopa mais que um cavalo drogado num hipódromo.
É mera coincidência, filho.
Uma coisa mais realista. Sei que é o mais real que posso contar, aconteceu comigo. Essa coisa de ficar falando mal de Deus, ignorando o tal do carma, parece resultar em algo mais que apenas coincidências. Não mastigue tanto estas palavras que você pode se sufocar. Engula para não regurgitar as entranhas de suas idéias. Este foi meu aviso.
Seu primeiro carro tem “A-T-E-U” arranjado em letras de forma... Enormes. Maiores do que está pensando. E personifico você em mim, cara pessoa do singular, para que sinta a tragédia. É a bela poesia de uma narração trágica. Tragicômica.
Seu primeiro carro tem “A-T-buraco”. Não só isso, mas também o Sr. Tijolo e seus filhinhos espalhados por dentro e fazendo a festa dos sólidos estáticos no soalho. Para completar o pacote, a família alaranjada quicou antes em seus CD’s de metal “satânico”. Isso não foi coincidência. Fanáticos são idiotas e pessoas que colocam CD’s no assento de passageiro também não são grandes coisas.
Você se casaria com a ciência, sempre sonha com o binômio de Newton e tem pesadelos com os blocos econômicos. Logo, está de pé, ainda com resquícios laranjas no ar de sua consciência. Ciente de tudo, ou quase tudo, que aconteceu anteriormente e tentando não ser tão são destes fatos. Sua cabeça está embaralhada como um baralho bem embaralhado por um bom embaralhador de baralhos. Todavia, pouco importa o que aconteceu, ou o que sabe que aconteceu neste dia. O que é interessante saber é que você está de pé, rodeado por idiotas que se diferem apenas nos rostos, e que há um idiota na sua frente, mais idiota que você, balançando como um idiota, em guarda alta. Alguma coisa e “Graduado em muay-thai”, diz o imbecil. Não há como ter certeza se é verdade, coisa mais que merda não sai daquela boca. Sempre articulou fezes e muito provavelmente sempre cagará pela boca, beijando o sal da sarjeta.
Daí, o imbecil do muay-thai fala “Idiota”, e você, como é esperto, ri... E pede para que xingue mais, para, conseguintemente, gargalhar mais. O negócio chamado auto-ironia é cínico demais, até para seu ultra-cinismo. Mas é bom e infernal o suficiente.
Os primatas vão ao delírio e o primata do seu amigo, que parece ser “das pedras” (trôpego nas palavras), diz “Nóóóóóóó!”. Podia ser interpretado como elogio, mas nó é coisa tão aleatória e tão marinheira para ser encarada como elogio. Nem adjetivo é. Apenas um substantivo da porra e estendido pela platéia que se coça de emoção. E a emoção contagia. Dependendo do ponto de vista, a emoção pode até infectar.
O muay-thai diz “Você é tão idiota, que fala tanta merda, querendo não ser idiota. Mas fica mais idiota. E ainda por cima, tá se cagando nas calças”. Agora, a surpreendente vontade de rir abrolha, mas uma estocada mortífera seria mais conveniente: “Tá enrolando por que, pseudo-psicólogo? Quem não fez merda nenhuma até agora é você. Cadê aquele papo de ‘me encontre na saída’?”. Pronto, é o bastante.
Ou não.
“Mostre seus dotes de muay-thai, idiotão. Quero ver se...”
Pronto, uppercut de direita no queixo. A dor é intensa, algo novo e intenso. Não tão bom e feliz e doce. O momento tem gosto de merda, por alguma razão sem razão. A merda da tua língua foi cortada, e isso é mais que lógico. O sangue é quente pra caralho, e mais grosso do que pensava, sendo assim difícil de deglutir e facilmente mastigável. Inapto a falar, porém ainda com dedos. Não restam dúvidas, a merda que o primata falou, não é cabal merda. O idiota é graduado em muay-thai, senti em seu punho. Senti na extensão do braço de perna de boi. Não há como me sentir singular depois disso.
E agora apelo para a personificação do eu em mim, para arruinar a intensidade da história, não estória, mas não peço pena. É um charme que faço a mim mesmo, venho me cobrando isso há muito tempo e vejo que agora é uma hora bem conveniente.
É o cara metendo o punho no meu queixo, para que eu pare de falar merdas sobre ele. É Deus metendo o dedo na minha garganta, para que eu pare de falar merdas sobre ele. Ou o carma metendo o punhal, em sentido oposto e direção igual.
Para mim, é só mera coincidência. Engula.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Caixa de Pandora

O que aconteceria se, da noite para o dia, as cores do semáforo fossem invertidas? Digo, verde para vermelho e vice-versa. Não seria tudo tão belo e caótico?

Logicamente, só funcionaria se existisse uma porção de semáforos normais na cidade. Pelas proximidades dos alterados, para um melhor resultado.
O truque justamente é este: "não mexa em todos, porra!".

Até poderia deixar de ponta-cabeça, alguns outros semáforos. Cores mistas, ou duas cores distintas acesas concomitantemente. Luzes se alternando ou luzes roxas e pretas sozinhas debochando do condutor. Cores secundárias, terciárias, pentelhárias. De baixo para cima, dois circulozinhos em baixo. Um acima desses dois e mais outro acima deste um. Uma figura bem fálica. Com luzes brancas, quem sabe? Acendendo de baixo para cima. Ou acendendo todas juntas.
Ou até cortar a energia de diversos postes de cantos diferentes da cidade. Uma ótima e clichê idéia. 

Uma cidade pequena não possui tantos guardinhas de trânsito para tomar lugar de uma enxurrada de semáforos defeituosos. Nem tantos apitos. Mesmo que revire os "um-e-noventa-e-nove's". Todos os objetos irritantes e diminutos de sopro foram descartados, e babados, em festas matrimoniais ou enterros. Em campeonatos mundiais de trogloditas correndo atrás de esferas confeccionadas por designers, bem formados. Bem informados. Não deformados. Mais engenhoso ainda seria estourar todos os semáforos.

Mais engenhoso ainda seria trocar placas de sinalização de trânsito. O que é direita vira esquerda. O que é "não estacione" torna-se "lombada à 100 metros". O que é todo vermelho torna-se todo branco. Adultozinhos e criançonas atravessando a rua se transformam em 80 km/h. 

Mesmo coisas simples como arremessar pedras, estes agregados minerais, em janelas, geram caos. Esse negócio que é uma caixinha de surpresas. Uma caixa de Pandora.

O que aconteceria se eu desse um tiro para cima?

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Piada


            O que é mais engraçado que um coração em pedaços?
            Resposta: Um coração em farelos.
           
            Isso resume muito bem a tragicomédia que está para ler.
 
             Tudo começa quando você tem um sonho mágico. Esse sonho mágico, é muito mágico. Tão mágico, inicia um conto de fadas. Apaixona-se por um ser humano que vê diariamente. Nesse sonho, primeiramente era só amigo desta pessoa. Do nada, apaixona-se. Mas ela não quer nada e deixa muito explícito, a partir daí, começa a lhe ignorar. Por um longo tempo, você só a observa, ela ignora. Depois, do nada, ela quer alguma coisa. É aí que o sonho acaba. Do nada.
 
            Fica um dia sem articular palavra alguma, aflito de ser rejeitado. Noutro dia, pergunta a um dos amigos dela, se está solteira. Ele fala que sim, e isso é muito bom. Muito, muito bom. A partir daí, você é alimentado com fotos e número de telefone enviados pelos chegados da idealizada. Pela parte da manhã, nada acontece, não toma iniciativa. É tudo tão novo, nada disso havia antes acontecido na vida. Tudo que faz muito provavelmente é inédito, e o que teoricamente está para acontecer, é novo.
 
            Na parte da tarde, toma coragem e envia mensagens a ela. "Acredite, demandou um esforço imenso, enviar esta mensagem", uma das idéias que quer transmitir. Depois de falar um mundo de asneiras patéticas, pergunta se ela quer algo mais sério. Algum tipo de relação íntima, afetuosa. Alguma coisa inteiramente nova, para você. E muito boa.
 
            No outro dia, ela não diz nada, pela manhã. Somente de tarde, descobre que ela não quer perder a amizade e está gostando de outra pessoa. “Mas você é divertido, e inteligente demais”, ela diz. É aí que seu coração despedaça. A pressão é tanta que começa a espalhar a notícia, para desabafar. Uma espécie de terapia.
 
            Passando este dia de tortura, o outro não é muito diferente. A única e sutil diferença é que esta pessoa agora parece ignorá-lo. Fica pensando em implorar a ela para pelo menos uma permissão para olhá-la, mesmo que distante. “Eu namoro você, você não precisa me namorar”, estes são seus pensamentos. Mas só isso não basta. E não é inteiramente bom.
 
            Nesta mesma sexta-feira, só que à noite, decide desabafar. Desta vez com ela. Um momento que nasceu do casamento do Sr. Pressão da Silva com a Sra. Tristeza em Si. Um momento tão emo, que talvez sentirá vergonha, futuramente. A sua desculpa é a de que superdotados são hipersensíveis, e você é tímido demais que sente pena de si mesmo.

             Você fala o que sente, de um modo que visa não magoá-la. Ela fala o que sente, mas não são boas notícias. A "boa" notícia é que ficam amigos novamente. E você achou que seria uma terapia.

“Perdura a mazela,
Ali também
Perdura ela.”

            Até criou um haikai idiota para a situação. Até criou fragmentos de uma história que por si só já é fragmentada.
 
            É sábado, você usa, em seu computador, um programa de mensagens instantâneas que tem instalado desde "sei lá". Neste programa, um amigo seu fala que ainda há uma possibilidade do amor acontecer. A tal pessoa que você ama muito falou de você à tarde, e pode estar com um pouco de remorso. Esse seu amigo é confiável, você ouve-o, mesmo que sua mente fale o completo oposto. No entanto, há outra coisa que fala uma coisa completamente diferente, algo que lhe dá esperanças. Isso pode ser bom. Pelo menos tende.
 
            Divaga acordado, pelo resto do que sobra da tarde. Para depois, à noite, a escuridão entrar na dança. A escuridão, junta ao frio, é poética, para você.
 
            Domingo, fala com este seu amigo, pergunta o que mais sua amada falou acerca de sua pessoa, à tarde, ontem. Ele diz que não falou nada disso. Algo está errado. Tudo tende para o não-bom.
 
             Era mentira. Irônico, não? Balela. Alguém se passava por ele, para lhe machucar, e muito.
 
            Foi uma praga que disse, aquela que você dedurou para o diretor da escola, pois mirava laser em sua cara. Em seu olho esquerdo. Ele disse que iria dar um chute em sua cara, mas você riu. Você, sarcasticamente, cobrava a tal sola-no-nariz. Nada aconteceu. Águas passadas.
 
            Acontece que acabou de dar um chute em sua cara. Acontece que seu coração se esfarelou.
 
           Nesse momento de instabilidade, seus pais entram correndo em seu quarto e pedem para desligar tudo. Evento completamente aleatório. Há algo imensamente errado em suas expressões. Disparou o alarme., um ladrão? Após breves investigações, não passou de um susto. Mas este grande sustinho foi o empurrão que faltava para cair no abismo da insanidade. Você estava até preparado para pegar uma faca de cortar carne, que descobriu quando lavava a louça. Dias atrás. Bem comprida, reluzente e afiada. Bonita.
 
            Quão irônico isto pode ficar? Não é engraçado como o mundo opera? Não é engraçado como a vida lhe rói por dentro?
 
            Já dizia seu outro amigo: “A arte é insana!”. Isso tudo não é simplesmente cruel? Sempre soube que teve uma tendência para a loucura, mas não sabia que a linha era tão tênue. Isso é bom?
 
            Você devia acreditar mais em horóscopos. Devia acreditar mais em sonhos, em seus significados. Devia acreditar mais em sua mente, e o modo racional de ser. O carma existe. Pelo menos tende a existir.

             Este conto de fadas não teve um final feliz. Não teve mocinho e mocinha "felizes para sempre". Final excepcional para um indivíduo excepcional. Que ironia!

             Enquanto isso, na sala da injustiça, há uma suruba de trogloditas. Alimentando a superficialidade do mundo. Enquanto isso... Há um vazio cheio de lamúrias. Um buraco, vácuo.

            Não se espante, amor, quando ver um litro ou outro de sangue pelo chão...
            Não se impressione, quando me ver pintado de vermelho...
            Não ria, amor, de minha arte...
            Não chore, amor, por minhas ações...
            Não lamente, pela praga do laser... 
            Nem chore pelos buracos novos dele...
            Não duvide quando digo que não sentirei remorso...
            Não duvide também de um fabricante, que diz que seu produto corta muito mais que carne...
            Relaxe, amor, ainda sou humano...
            Amor, eu amo você... Amor, você é meu amor... Oi, amor! Amoreco!

            Que piada, não?