A brisa bate no meu rosto enquanto subimos
lentamente. Não está frio, não está quente, está do jeito que eu gosto. Ela também
gosta desse tipo de sentimento que o ar proporciona. Eu sei disso porque eu
sei, e também porque eu vejo que ela está gostando disso. É evidente que ela
está gostando disso, pois eu conheço muito bem os seus vários sorrisos, e este
de agora é, de longe, o mais singelo que ela consegue fazer. O seu perfume é
uma delícia, eu sempre o adorei em seu corpo. Eu estou de pau duro.
– Meu amor. – ela lentamente
abre os olhos, lindos e serenos, por sinal. – Eu gosto tanto de roda gigante.
– Pensei que você iria dizer que
gostava tanto de mim. – digo. – Porque eu já sei que você gosta dessa droga de
roda gigante.
Ela vira o pescoço para mim,
subitamente. Estamos sentados lado a lado, juntinhos, em um assento da roda
gigante de algum parque de Londres cujo nome é tão desinteressante que já
esqueci. O que me importa agora é só a minha amada. Ela está abraçada no meu
braço, carinhosamente.
– Como você é grosso! – ela
altera a voz para mim e solta o meu braço.
Ela não está abraçada no meu
braço, carinhosamente.
– Eu estava brincando, minha
fofa. – digo, beijando a sua testa. – Pode voltar a abraçar o meu braço, porque
eu gosto.
– Não quero. – ela faz aquela
carinha de brava, aquele biquinho engraçadinho, e cruza os braços finos.
Eu simplesmente roubo um beijo
dela. Faço com que cada beijo nosso seja uma experiência nova, uma sensação
nova. Por exemplo, embora já tivéssemos vindo aqui há quatro anos, quando nos
encontramos por acaso, esse beijo de agora é diferente, porque eu acaricio a
sua nuca. Naquele dia eu não tinha acariciado a sua nuca. Naquele dia a minha
mão escorregou para dentro de seus seios, que acabaram ficando expostos para as
gaivotas observarem lambendo os beiços... Bicos.
Gaivota lambe o bico?
Ela sorri e me abraça,
aconchega-se em mim. A minha amada, não a gaivota. A gaivota bate numa viga da
estrutura da roda gigante e faz um barulho fenomenal. Nós rimos. A minha amada
está abraçada no meu braço, carinhosamente.
Antes de eu ter escorregado a
mão para os seus seios – ela estava sem sutiã e os seus seios eram macios –, eu
a tinha beijado e a lambuzado no rosto. Mas, bem antes disso, nós estávamos
entrando na roda gigante e sentamos, por acaso, na mesma cabine. Daí, de algum
jeito que até hoje eu não sei, nós batemos as cabeças com uma força descomunal,
uma na outra. E doeu.
– Você se lembra do dia em que
nos encontramos, nessa mesma roda gigante? – pergunto.
– Lembro sim, leãozinho. – ela
diz. – Eu descobri que eu nunca amei uma pessoa até te conhecer.
Sinto um cheiro de pão quente no
ar.
– Você lembra como foi que
batemos as cabeças? Foi engraçado. – pergunto, acaricio a sua orelha.
– Nunca entendi. – ela ri. – Mas
doeu pra caralho.
Meu coração palpita de um modo
diferente quando eu estou perto dela. Eu descobri que eu nunca tinha me sentido
bem até o dia em que a encontrei. Embora eu não goste muito de calor, eu amo
sentir o calor do seu corpo contra o meu. Dos seus lábios macios – e dos
grandes lábios também, embora, da última vez, ela não tenha lavado direito o
local e por isso estava cheirando bacalhau maturado, e era tão horrível que
quase vomitei duas vezes na sua periquita rosada.
Eu amo ela por inteiro, e só
quero vê-la contente.
Ela beija a minha mão com seus
lábios levemente úmidos. Eu a amo das mãos aos pés. Eu sou tarado por pés, me dão
um tesão danado.
– Você está sentindo cheiro de
pão no ar? – pergunto.
– Não.
– Tudo bem.
– Agora eu senti.
– Gostoso, né?
– Sim. – ela me aperta. – Você é
o meu gostoso.
– Entendeu errado, eu quis dizer
o cheiro do...
Ela me rouba um beijo. O seu
amor me envolve. A brisa some. Tudo se resume à nossa conexão. O momento
perdura por uma eternidade, enquanto dura, mas parece não ter sido eterno o
suficiente quando ela afasta a sua língua da minha. A brisa volta a bater para
mim, confortando as minhas narinas com o cheiro da minha menina, que de tão
inocente é quase indecente. Ela abre os seus olhos. A cada contato ocular eu vibro
e o meu coração abranda. As preocupações se dissolvem, os sentidos se
entrelaçam e o meu corpo relaxa as tensões. Ela acaricia o meu rosto com as
suas palmas pequeninas e mornas, e as minhas pálpebras se cerram devido ao meu
estado entorpecido. Divago mais uma vez na delícia das nossas memórias.
Depois daquele dia da roda
gigante eu não a vi mais, até que, por acaso, nos encontramos no avião, quando
estávamos, coincidentemente, voltando ao Brasil naquele exato dia, naquela
exata hora. Eu tinha passado todos os meus momentos pensando nela, até esse
dia. Até o momento em que uma mala caiu em cima do meu pé e eu xinguei a dona da
mala e a mala de filhos das putas e chutei a mala com o mesmo pé e o machuquei
mais ainda e, conseguintemente, soltei mais uns adjetivos sórdidos – desgraçada,
lazarenta. E a dona da mala era ela, o meu amor da roda gigante.
O meu amor gigante.
Nós tínhamos nos reencontrado.
E nos beijamos, como num filme.
Dois desastrados.
Tateio o meu bolso traseiro, me
contorcendo um pouco. Retiro a caixinha de aliança de lá e me ajoelho na cabine
da roda gigante, que para de se mexer, por coincidência, no ponto mais alto, e
perco um pouco o equilíbrio. Ela ri. Eu me recomponho. Ela não viu ainda a
caixa, mas já deve estar suspeitando o que eu farei em seguida, ajoelhado como
um bobo na frente de uma boba.
O céu está lindo. Digo, com a
voz mais tenra que consigo:
– Desde o dia em que nos
encontramos até o dia em que nos reencontramos, aqui em Londres, eu senti que tinha
deixado um pedaço meu contigo. De fato, você cativou o meu coração com esse seu
jeito desastrado e maravilhoso de movimentar os braços. Com esse seu jeito de
sorrir de diversas maneiras, todas as quais eu fico retardado só de olhar,
porque você mexe comigo. Você faz com que eu fique mais retardado que eu já sou
naturalmente, e estupidamente mais feliz. Desde aquele dia em que eu te beijei
pela primeira vez, eu senti que eu devia agarrá-la com força e nunca mais te
deixar partir. Por sorte eu acabei te reencontrando no aeroporto, e aí eu
percebi que eu não tinha deixado um pedaço meu, mas que você mesma era o pedaço
que me faltava. – respiro fundo. – Vanessa, quer se casar comigo?
Seus olhos se umedecem, e ela
leva as mãos à boca, do jeito que eu havia imaginado. Levanta do assento
lentamente, porém eu continuo ajoelhado defronte ao seu corpo de curvas sutis. Ela
tenta falar algo, mas está emocionada demais para articular palavras.
Simplesmente pego a sua mão, com delicadeza, e coloco o anel em seu dedo. Sua
mão é linda e eu a beijo no dorso.
– Eu te amo, Vanessa.
Ela desmaia e cai pra fora da
cabine. Minha visão se estreita e petrifico. O meu sorriso se desmancha aos
poucos, na medida em que o calafrio me domina. Só ouço os baques consecutivos
da sua cabeça contra as vigas metálicas da estrutura, que parecem não ter fim.