Eu
bebi demais. Sequei uma garrafa e daí peguei outra ali de perto, e então andei
mais e achei outra abandonada de alguma coisa forte, bem alcoólica, e virei
tudo na boca, babando e bebendo. Não tinha ninguém para ver a cena. Antes disso
não me lembro de nada. E acabo de perceber que estou segurando uma garrafa de
vodca vazia. Não sei se essa é a segunda ou a quarta garrafa que esgotei, e não
sei se estavam quase cheias ou quase vazias.
Caio
no chão.
A
noite esfria quando entra em contato com os meus cortes nas mãos que acabei de
fazer. Deixo os cacos de vidro para trás e continuo andando na rua vazia,
cambaleando. Chego perto de postes com frequência, mas os desvio a tempo. Minha
vista embaçada não discerne objetos ou criaturas a mais de cinco metros de
distância. Tropeço constantemente no meio-fio, alternando entre rua e calçada.
Caio
no chão.
Mais
em diante, encontro uma garrafa com algum líquido, no meio da calçada. Eu tenho
muita sorte de encontrar algo assim por aqui. Antes de pegá-la eu a chuto
acidentalmente. Com mais cuidado eu me aproximo e chuto de novo a bendita. E de
novo. E caio de novo no chão. E não tem ninguém para ver esta cena. A
barulheira que eu faço nessa luta é ridícula. Bebo o conteúdo, que é muito
patético.
Vomito
tudo no chão.
Meu
corpo é tomado por espasmos dolorosos no abdome. A garrafa rola até se encostar
a um muro. Os pelos dos meus braços levantam-se em conjunto devido ao calafrio.
Lágrimas escorrem. O som que sai da minha boca é um misto de soluço com tosse.
O vômito se junta ao sangue de uma das minhas mãos – direita ou esquerda – que
me sustentam na posição de quatro apoios, na qual eu me contorço. É ridículo.
Não há mais dignidade neste mundo.
Prossigo
me escorando pelas paredes, raspando a pele e as roupas contra diversos tipos
de superfícies. Ao chegar na esquina, me estatelo no chão por conta de falta de
parede, pousando brutalmente em uma ossada. O mundo está perdido. Não há
vísceras, nem sangue, nem trapos, somente ossos. Isso é impossível. Forço a
vista na caveira. Por algum motivo ela me parece familiar. Por algum motivo ela
me faz pensar que é igual a um amigo meu que eu amo muito.
Quantas
coisas destroem o nosso amor?
Isso
parece um sonho.
Esqueci-me
de quando foi a última vez que estive em tamanho silêncio. Absolutamente nada
faz ruído. Estou tonto e surdo, e não sinto nada fora um aperto insano no
coração. É surreal. Eu bebi demais.
Continuo
andando rua abaixo, às vezes me embalando sem querer. A densidade de ossos
aumenta na medida em que eu caminho. Cachorros, gatos, ratos, cavalos.
Crianças, adolescentes, adultos, idosos. Animais, humanos. Apenas resquícios de
algo que já teve vida. Espalhados por todos os cantos, de várias maneiras. Como
se houvesse algum humor nisso.
Quantas
coisas destroem a nossa história?
As
luzes dos postes que restam piscam. A brisa se torna mais intensa e frígida com
o tempo. Qual a importância do tempo depois disso tudo?
Um
choro de homem aumenta gradativamente.
Procuro
por todos os lados, abraçado em uma pequena árvore para não cair. Movimento a
cabeça rapidamente, e isso aumenta a minha tontura.
Caio
no chão. Bato a cabeça no chão.
O
homem está sem uma perna. No lugar dela há apenas uma porção do seu esqueleto.
Não consigo raciocinar direito nesta situação e nunca fui muito bom em
biologia, mas devem ser a tíbia e a fíbula e, claro, os ossos do seu pé. Ele
chora mais de pavor que de dor. A dor que ele experimenta, porém, deve ser algo
de uma natureza totalmente diferente das dores que sentíamos quando o mundo
ainda era normal. Tive sorte de não ter sido pego ainda. Tenho pena desse
homem. Tento o máximo que posso para chegar a ele, mas eu bebi demais mesmo.
Mal consigo me ajudar, mas mesmo assim eu persisto, rastejando.
Isso
parece um pesadelo.
Quantas
coisas destroem a nossa vida?
Uma
sensação completamente estranha me invade, subitamente, no corpo inteiro de uma
vez só. Meus músculos se tensionam até me petrificarem. A brisa muda, fica
densa e diferente. O grito do homem agora rasga os meus ouvidos e me recorda
uma criança perdida dos pais. Com uma força espantosa, gastando grande parte da
energia que me resta, eu viro meu pescoço para o final da rua deserta. É tudo
inédito, peculiar e assombroso para mim que parece que eu fiquei sóbrio de
repente. A cor do vulto esguio é algo que foi escondido da humanidade por
milênios. Eu não sei se devo chorar, gritar, ferver de fúria, gargalhar ou me
render. Estou completamente sem reação.
Algo
dentro de mim me impulsiona até a segurança de um caminhão imenso. Talvez o
instinto de sobreviver. Embora eu não veja vantagens em continuar a viver nesse
mundo. Aos poucos a minha memória de como a vida era antigamente esvai. Nós
éramos idiotas ao brigarmos entre si. Ao nos machucarmos. Ao nos matarmos por
motivos insignificantes. Nossos filmes e histórias de terror, nós achávamos
isso tudo divertido e dávamos o nome de entretenimento. A raça humana nunca se
sentiu tão patética quanto agora, frente a uma ameaça de extinção.
Enquanto
ainda me escondo debaixo do caminhão, ainda com a vista embaçada e com os
sentidos entrelaçados, observo o homem se debatendo de agonia. E então um
clarão ensurdecedor e um som de deixar cego. Após isso, sobrou apenas o
esqueleto dele. É inexplicável. Simplesmente desapareceu. É impossível.
Indefeso. Eu me urinei nas calças. E me dá uma ânsia de vômito.
Quantas
coisas nos restam?
E
o caminhão some