segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Águas passadas





Um dia me disseram que eu nasci para amar. Eu sempre achei isso também. E penso: isso é certo? Isso é errado? E, mais importante: o que devo fazer com isso?
                – Eu já disse que eu gosto de você e nunca vou te abandonar. – ela diz. – Mas, sabe, somos muito diferentes e, infelizmente, não daremos certo, embora a gente se goste muito.
                Ela está sentada na areia da praia e eu me encontro logo ao lado dela. Ela segura a minha mão, como se nunca quisesse me perder. A sua mão é quente. A sua roupa é fresca e azul com laranja. A brisa é fresca e azul, e o sol é alaranjado e quente. Já se esconde, se afunda no oceano, como um sentimento dando lugar a outro. Tenho vinte e tantos anos e ainda sou uma criança.
               – O que eu quero é me prender a você e nisso encontrar a liberdade a dois. Nunca pensei em ser um estorvo, pois eu te amo muito. – digo, beijo o dorso da mão dela, cheia de areia. – Não ficarei atrás nem à sua frente, permanecerei ao seu lado. Você sabe que pode contar comigo pra tudo.
             – Eu sei, meu bem. Mas... – ela coça a nuca com a mão livre. – Entenda, você é o meu melhor amigo e sempre foi desde o momento em que trocamos um oi.
                – Você é minha companheira. Minha única companheira nessa vida.
            O ambiente é bem calmo e nada movimentado, visto que já está entardecendo e não muitos conhecem e frequentam esta praia. A água não é das mais apropriadas para se nadar, para brincar, para se banhar, para se refrescar e ficar feliz. Há raras marcas de guarda-sol no chão.
                Eu sempre fiz tudo certo para ela. Eu compreendo os seus defeitos e os amo com o maior carinho que posso oferecer. Sei que todo mundo é de um jeito por algum motivo, e por isso que me esforço em compreendê-la. Estou muito ciente também de que o valor só aparece quando não se tem ou se perde alguém, e por este motivo que eu a valorizei até agora enquanto eu a tinha por perto.
                – Eu não entendo isso. – digo.
              – Eu sei que é difícil. Mas você é muito bom e merece alguém melhor que esse caco que eu sou. Você merece uma princesa, e tenho certeza de que ela vai aparecer algum dia com um sorriso tão lindo quanto o seu. – ela aperta minha mão. – Eu sinto falta de quando você sorria.
                – Não faça isso comigo, nunca exigi perfeição de você. Você sabe que pode contar comigo pra tudo. – puxo sua mão para o meu peito.
              Às vezes me pergunto se sou certo ou errado. Lembrando nossos melhores momentos juntos, lembrando o seu beijo doce e a paz que ele me proporcionava. As nossas noites juntos, por tudo que passamos. E eu pensava que ela estava feliz ao meu lado.
                Eu sou ingênuo? Eu sou inocente?
                – Eu gosto muito de você e...
                – Shhh... – coloco o meu dedo sobre a sua boca. – Só me dê um abraço.
                E ela me abraça.
              Nesse momento eu penso na primeira coisa que ela me disse quando me viu. Eu tinha dito uma sacanagem na cara de pau, a julgando mal de início. Mas ela achou engraçado e deu corda a isso. E foi aí que percebi que a sua loucura influenciava a minha. Que nossa conexão era física, mental e emocional. E intensa.
              Uma lágrima escorre dos meus olhos quando eu lembro do nosso primeiro beijo e das nossas brigas infantis.
Eu me lembro de tudo.
Largo ela.
– Suma daqui! Saia da minha vida! Nunca mais quero ver você! – grito.
– O que foi que eu fiz? – ela recua um pouco.
Levanto e aponto para longe. Meus olhos se umedecem mais e tento não demonstrar isso.
– Suma da minha vida, sua ingrata! Eu te odeio! – tento ficar com ódio.
– Renato, pare! – ela se levanta. Coloca os braços sobre os meus ombros.
Empurro-a.
– Saia! Desgraçada! Corra! – berro, quase soluçando. – Você não vale nada!
Ela suspira brevemente e se aproxima de mim. Dá um tapa na minha cara. Eu sempre pensei nela. Nem por uma fração de segundo eu deixei de lembrar que ela existe.
– Idiota! Vou sumir mesmo. Eu me enganei sobre você. – diz firme. – Eu sei o meu valor e, simplesmente, você não merece amor de ninguém! Seu desequilibrado!
E ela anda normalmente para longe de mim. Cada vez mais longe, até que some da minha vista para nunca mais aparecer. Eu penso se fui usado ou não. Eu nunca usei ninguém, nunca brinquei com sentimentos. Eu sei que humanos não são brinquedos. Nunca fiz nada de errado para alguém, não intencionalmente. Pelo contrário, eu nasci para amar.
Eu me entreguei demais? Eu me iludi? Isso era amor?
Às vezes eu me pergunto: eu sou uma pessoa boa?
Na areia está marcado onde a água passou hoje à tarde. O sol se escondeu, está frio. A gente se conheceu há pouco tempo e já foi a melhor coisa que me aconteceu. O meu calor virou calafrio. E eu choro sozinho.
Ela vai voltar?

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Minha vida sofrida (eu sou um poeta)




Veja bem, meu nome é Rogérioberto. Sim, é um nome bem incomum, mas é uma mistura de dois nomes bem comuns. Enfim, esse aspecto não é relevante em nada na minha vida. Embora tenha sim sido decisivo nas surras que eu levava quando era criança. Entretanto, hoje isso já não faz mais (tanta) diferença nas surras que levo. Portanto, eu vou continuar esse relato sem ao menos tocar em assuntos referentes ao meu nome um tanto raro. Não raro como uma joia, pois joias têm valor. Enfim, porra, vou começar o relato. Porém, antes de tudo, irei dizer que tenho 24 anos e que essa idade me assusta por algum motivo e que gosto de insetos. Pronto, falei. Isso é irrelevante, mas o importante é que eu falei.
                Então, eu gosto muito de uma mulher que vive me provocando. Eu tenho até medo dela (e do que não tenho medo?), pois acho que ela vai ficar pisando em mim para todo o sempre, embora eu a ame além da compreensão humana... Admito que exagerei agora, mas o medo é real mesmo e eu a amo mesmo, e digo isso de coração. Do fundo desse coração sincero, honesto e injustiçado. Tenho medo de amar ela mais do que a amo e acabar morrendo porque o meu coração, eventualmente, se partiu brutal e repentinamente – como uma bexiga esfaqueada (como uma cabeça massacrada por um elevador em queda livre). Isso que falei pode ser uma metáfora ou não. Isso é irrelevante, mas eu falei mesmo assim.
                Prosseguindo, eu odeio um cara lá que gosta dela (perfeitamente normal esse tipo de sentimento, mas nada pessoal contra o rapaz). Um dia eu o vi se agarrando com ela na frente dos pacientes (numa porra duma clínica de ortopedia, eu trabalho como um merda qualquer lá), na sala de espera. Os pacientes ficaram abismados e um retardado mental com problema na coluna começou a se masturbar na frente de todos, não que isso seja um fato necessário, interessante ou excitante. Aliás, é um pouco interessante, contudo não chega a ser essencial. Tampouco excitante.
                Uma gorda me ama demais. Ela me deu todos os seus doces para mim (e isso é um sacrifício enorme para um gordo ou gorda) e toda a sua lancheira farta também (sim, ela usa uma lancheira e isso é broxante – não que o corpo dela não seja suficientemente broxante), em um dia de trabalho. É, ela trabalha (trabalhava) comigo. Eu não quero ela.
                Eu gosto de doces. Eu gosto de salgados. Eu gosto de comidas exóticas agridoces. Não gosto de cenoura, de xuxu, de pepino e de rabanete. Não gosto de vitamina de abacate sem açúcar nem de chopp de menta com açúcar.
                Finalizando o meu relato: eu tenho medo de tudo, tenho um coração fraco (literal e metaforicamente) e no dia do meu aniversário, após um dia lazarento de trabalho (suando como uma prostituta ao fim do expediente), cheguei em casa e me deram um susto. Uma festa surpresa. Todos gritaram com o amor do âmago do ser (do fundo do diafragma) e algum deficiente mental soltou um rojão dentro de casa. A casa não pegou fogo, mas isso não importa.
                Enfim, eu morri de susto e é só isso que importa.