segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Roberto teve um dia estressante




Roberto teve um dia estressante, só pensa agora em seus filhos e em sua linda esposa. Especificamente, ele quer abraçar a sua pequena família após passar pela porta da entrada de casa. Enquanto isso, atravessa a noite típica em seu carro de classe alta. Um carro desses só está na classe média com muito esforço.
Roberto avista um de seus amigos de longe, grita o nome de longe. Brinca com o amigo, de longe. E o amigo longínquo responde assim: Roberto! E assim eles brincaram, sorrindo sem realmente sentir a graça. Ao mesmo tempo em que vê o amigo, este amigo vê uma amiga do pai da amiga desse tal amigo de Roberto, e assim ele assovia: Fiu-fiu! E é assim que acontece.
Roberto sente um pouco de ciúmes pelo amigo dele ter um amigo, especificamente uma amiga. Ele quer uma dose de realidade esporádica para sair do seu mundo narcisista, mas querer não basta. Até gosta um pouco da altura, porém por vezes vê a família como posse e se sente envergonhado.
Roberto sabe que o mundo gira, porque ele soube algum dia. Precisamente, e empiricamente, estava bêbado demais. E daí percebeu que o mundo não existe estacionado. Envergonhou-se no outro dia, mas a dor de cabeça era maior que nem conseguia pensar direito.
Roberto estudou direito do jeito certo, o que de certo jeito acabou bem legal. Advogado mesmo, é advogado mesmo. E dos bons, mas não o melhor, e longe do melhor. Longínquo que está no meio do caminho do Enorme Sucesso. Mas ele está bem. Ele e sua família se encontram bem no mundo.
Roberta ouve o tilintar das chaves e já avisa as crianças, Rodrigo e Rodriga, que se escondem por brincadeira. Esbarram as canelas num canto vivo. Antes de encontrar sem muito esforço os esconderijos, Roberto cai de boca na esposa. E pensando em brincadeira, mete o dedo nela também. Dá dois passos de Roberta e finge que não sabe onde os filhos estão. Como o macho está debaixo do cobertor, no sofá, e a fêmea debaixo da coberta, num sofá, Roberto senta intencionalmente na cabeça de um e finge que é um calombo anormal. Rodrigo grita e ri e Rodriga ri e Roberto acha os dois e sorri. Abraça-os e beija-os, sem olhar para o teto.
Rodrigo já vem com o papo dele de escola, e Roberto finge que ama esse papo e essas estórias absurdas. Certamente se amam, mas têm muitos problemas. A esposa, por exemplo, tem fisgadas no pescoço toda hora que vê a hora e o esposo têm o dedão encravado. Os filhos são mais novos que os pais. A peça mais importante é o pai barbudo, porque trabalha. Rodriga pula de entusiasmo e não vê a hora de começar a tagarelar seus sonhos e depravações. Ela é muito depravada. Tem pus fervilhante no teto e todos morrem.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Ventoinha

Uma bala perdida cruza cada esquina, onde alarmes soam sem parar. Cadáveres e tênis enroscados em fios de alta tensão, e chinelas voando. O calor emanando do efeito urbano. As duras ilhas de calor que desgastam tanto por dentro quanto por fora. E tem aquelas pessoas lindas andando sempre quase peladas, quase nunca com roupas. Senhores com pistolas fazendo um atendimento rápido nos carros.
Voltando um pouco aos alarmes, tem daqueles que fazem a pessoa dançar e daqueles que ressonam cabeça de formiga. No geral, uma mistura aérea que se mistura ao níquel supersônico.
O evento contradiz o precedente.
As duras ilhas de pessoas, nestes arquipélagos divididos por mares rubros e chassis retorcidos que se ardem. Crianças jogando vôlei com cabeças de vovôs, estes foram arrastados sobre cadeiras de rodas, faísca.
Tripas enroscadas em fios de alta tensão.
Fica mais escuro. A fuligem mesmo que blinda a luz e, portanto, a visão, e, por conseqüência dos fatos, a vida. A fim de não deixar dúvida pendente, vida é aquilo que se mexe sabe-se lá por quê. É comum esses negócios tropeçarem nas coisas dos outros negócios. É uma cadeia de conseqüências, se for analisar bem. Certo.
Falando mais sobre os alarmes, eles são do tipo vermelho estridente.
Bueiros abortam abortos, e, aproveitando a oportunidade, pessoas bem vestidas aproveitam a oportunidade e aproveitam os abortos abortados que tanto são saborosos. Até de só olhar já dá uma impressão marcante. À via de curiosidade, saiba que o olfato e o paladar são a mesma coisa.
Vermes fazendo limpeza craniana nas madames. São as boas maneiras. Larvas rotundas saindo de paredes quentes de piche. Ratos convulsionando. Cachorros. Corcundas. Tolos e cerveja.
Pista de boliche é uma metáfora ótima para o que acontece. Pino é perfeitamente cabível à situação dos.
É facilmente dedutível que.
É necessário que.
Que.
Que cidade maravilhosa.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Você já sabe

Primeiro você nasce, e daí ganha o primeiro documento, que prova que você nasceu. Mais uma criança no mundo, muitas crianças no mundo. Coisa fofa ou, geralmente, não. Muita gente no mundo. Para alguns, pessoinha. Pode até ser batizado num altar ou numa piscina. Dependendo da sua sorte a água entra nos seus pulmões. Nosso pequeno nadador.
Fraldas, muitas, comida de bebê, berço que mais tarde vai quebrar, chupeta, chupeta, chupetinha, mamadeirinha, um estoque de verduras e legumes e frutas que mais tarde você largará e mais tarde ainda simplesmente não comerá mais, e brinquedos que talvez serão substituídos por caixas de papelão e fitas sem sentido. É possível que você brinque com lixo sim. Natal, mentiras, fada dos dentes, algumas coisas que não cabem na sua consciência.  O dinheiro gasto com você poderia ter sido aplicado na casa ou no carro.
Fotos, fotos, fotografias.
Que coisa fofa e desdentada.
Álbuns, álbuns, e mais álbuns e não se esqueça que provavelmente você foi um acidente.
Olá dentes, tchau dentes, olá dentes permanentes. Faça uma palhaçada pras visitas e deixe papai e mamãe orgulhosos.
Daí passa tempo demais, você cresce de tamanho de tanto ouvir dos outros que você cresceu bastante. Ainda você é uma coisa linda, mas está ficando um pouco mais nojento e menos delicado. E se você é um psicopata, esta é uma boa hora para arruinar a vida dos seus pais.
A escola.
Muitos peidos na escola.
Vem a época em que você ri ou chora quando vê uma foto de mulher pelada. A época em que professores abusivos abusam de você de alguma maneira, e como crianças são idiotas não adianta insistir em revoltas. Até é divertido, mas depois de uma década não há lembranças.
Parte ridícula.
Crescendo – mais ainda – que nem um retardado – mais ainda – desengonçado. Olha só o pelinho pubiano. Diga olá para ele e vá se acostumando, porque, sem o seu consentimento, uma galera de pêlos vai brotar do nada. Uma dica para aumentar a sua virilidade em cinco centímetros é raspá-los.
Agora é o seguinte: ou você vira um festeiro beberrão idiota ou você vira um gênio reprimido. De qualquer maneira, o seu computador vai se encher de vírus. E daí o seu computador pessoal vai se encher de vírus e até o seu celular vai ser infectado. Se sua mente for aberta mesmo a masturbação é válida para fotografias de ambos os sexos. Não significa ser bissexual.
Agora o mundo é feio e sexy.
Aos dezoito anos você está crivado de documentos.
Então, ou você faz sexo ou não.
Busca intensa e suarenta por emprego que se encaixe com suas aptidões. De acordo com a televisão, você precisa encontrar um tal de Sucesso. Se você é ateu, você não vai a igrejas e se você for religioso, você vai e não vai à igreja. Simples.
               Pode ter umas vacinas pendentes, mas nunca realmente, possivelmente, pode ter ficado doente.
Se você acha que o casamento é uma beleza, você formará em breve uma família e se divorciará mais três vezes e espalhará três novas histórias por aí. Em geral casamento é superestimado e a família tradicional é uma piada. Nessa época dá para encher a cara e contar os seus relatos de aventura da adolescência. Muita cagada. Muita risada. O corpo humano é forte.
Desemprego, emprego, desemprego, emprego, velório do pai, desemprego, emprego, velório da mãe. Desemprego pra completar a cagada. E divórcio. E um tiro na perna.
Dá para acelerar essa droga porque a vida é longa.
E volta a nojeira. Isso se você já não morreu atropelado antes.        
Olha só, um velho amiguinho de infância entra novamente em sua vida! As fraldas! E não pára por aí, olha quem mais voltou: a comidinha de bebê! E mais:
Na verdade, menos.
E menos: tchauzinho para os dentes permanentes. Nesse ponto você e o seu coração já se acostumaram com despedidas. E volta a moleira.
Seu inútil.
Dentadura. Dá para tentar comparar com o aparelho ortodôntico de alguns cinqüenta anos atrás, e o cigarro faz muito efeito agora. Você já muda de opinião. O corpo humano é frágil. Os avisos de saúde são reais mesmo, e, dependendo da sua sorte, você pode até virar foto de caixinha de cigarro. É só nojeira.
Senilidade, lembranças.
Nada para fazer. Percebe-se que a rotina é um chute no orifício. Há uma certa simetria nos fatos.
A essa altura ou você é ranzinza ou um astro imortal do rock.
E daí você morre.