terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Intangível



Eu sou como uma pessoa normal. Eu vejo, eu percebo, eu sinto. Acima de tudo, eu sinto. Ando pelos lugares, pelo meio das outras pessoas, e percebo estas mesmas. Mas ninguém sabe que eu existo. Não há como não sentir algo em uma situação dessas. Todos tem uma necessidade de se envolver com as outras pessoas, de estabelecer conexões afetivas nos mais diversos níveis. E eu estou sozinho nesta vida. Esse tipo de coisa se encontra além de mim. Intangível, quimérico. Assim como todos, eu sonho.
                Lá em casa, o pessoal conversa entre si, se reúnem na mesa para almoçar e jantar. Cada um tem um horário de acordar para tomar o café. O primeiro que acorda é o que passa o café para o restante, e essa pessoa quase sempre é a minha mãe. Nos finais de semana a história é diferente. Mas nunca é o meu irmão, porque ele só acorda às duas horas da tarde, pois conversa com a sua namorada pelo computador até bem tarde da madrugada. Vendo ela, interagindo com ela, sentindo ela. Mesmo de longe. As conexões, os laços entre duas pessoas, elas não se desfazem no espaço. As pessoas, naturalmente, têm também a necessidade de fazer as outras sentirem. Deste modo elas se fazem presentes. E, por mais ausentes que estejam, o laço prevalece sobre as distâncias.
                Há uma coisa chamada tristeza, uma emoção que faz com que as pessoas ajam sem pensar direito. A tristeza é uma das mais fortes sensações, assim como o amor. Lá na casa da minha namorada, todos estão taciturnos. A minha namorada se suicidou, prevaleceu a tristeza. A vida das pessoas é apenas uma competição de emoções. Eu gostaria de fazer algo de bom para a família dela, mas nem tudo depende de mim. Eu gostaria que tudo dependesse de mim, para eu poder fazer quem eu gosto feliz. Mas é impossível. E o que é impossível, não é possível. Eu apenas lamento a morte da minha namorada, porque o laço continua a me afetar. Pois, por mais ausentes que as pessoas estejam, o laço prevalece sobre o tempo.
                Desde que eu morri, eu mudei. Eu continuei sendo uma pessoa que vê, que sente, que sonha, que ouve, mas a minha interação com os outros mudou. Eu gostaria muito de interagir com as pessoas que eu amo, mas é impossível. O meu irmão vive chorando, e eu gostaria muito de fazer com que ele parasse de chorar por mim. O meu pai vive sendo um durão coração de pedra, e eu gostaria muito que ele mostrasse algum sentimento. A minha mãe continua passando o café, e vive arrumando a minha cama que ela mesma desarrumou na noite passada. Porque ela pensa que eu ainda estou vivo. A emoção afeta a nossa razão.
                Cada um sente de um modo diferente, mas todos nós sentimos. Dizem que o forte não expressa as emoções, e que o fraco as expressa até demais. Porém, todos nós sentimos. Somos todos pessoas. Movidas pela emoção. Precisamos receber amor. E precisamos dar amor. Há tantas maneiras de se amar, e cada um faz de um jeito diferente. Mas todos nós amamos. Todos nós, também, temos medo. Eu tenho os meus receios, dos quais não posso fazer nada a respeito. E isso me afeta. Demais. Talvez eu esteja perdendo a razão.
                Eu estou sozinho, desde que eu morri.
                Eu quero morrer de novo.

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