– Não se mexa, senão eu atiro! – grita.
Como
não sou idiota, paro imediatamente. Não estou na posição de apostar em
movimentos ousados. Ele vivia falando disso e eu pensava que era brincadeira.
Agora eu vejo que não há nada de engraçado nisso. Todos têm problemas e todos
erram. O meu maior problema é ele e o meu pior erro foi tê-lo ignorado. O dia
chegou e eu podia ter me preparado para isso, poderia ter preparado um
discurso. É praticamente o fim da linha, não sei como evitar isso.
–
Cara, pare com isso, pense melhor nisso. – digo.
–
Cale a boca, eu já disse várias vezes! – grita. – E vocês todos pensaram que eu
estava brincando, que eu estava exagerando.
–
Vinícius, todos estavam assustados. Agora abaixe essa arma, por favor.
–
Não! – mexe os dedos que seguram a pistola.
Um
arrepio sobe a minha espinha dorsal. Tento me aproximar sutilmente dele, mas
ele me alerta outra vez, quem sabe a última. É uma brincadeira de se fingir de
estátua, porém não é uma brincadeira.
–
Veja, eu gosto de ver minha família. Eu gosto de brincar com os meus filhos,
rir com a minha esposa. – engulo seco. – Anseio todo dia chegar em casa, após
um dia de serviço, e descansar na cama enquanto um aroma de comida me invade,
vindo da cozinha.
–
Do jeito que você fala dá até impressão de que a vida tem brilho. Mas todos nós
sabemos que ela só é uma repetição de ações e situações, o que mudam são apenas
os personagens e as cenas do crime. – diz.
Eu
devia ter desconfiado que isso aconteceria, algum dia, no dia em que ele se
inscreveu nas práticas de tiro. Na realidade, eu sempre fui otimista demais em
relação à vida, e ele sempre foi pessimista demais. Ou seja, ninguém enxerga o
lado do outro. E agora o fim está próximo.
–
Não faça isso comigo, Vina. – imploro. – Eu imploro!
–
Pouco me importa o que você acha disso tudo! Eu estou muito mal comigo mesmo
faz anos. Pensar nos outros é idiotice quando não há como se sentir bem
dentro de si mesmo. – sua mão treme quase que imperceptivelmente, por uma fração de
segundos. – E eu odeio esse apelido!
–
Tudo bem, eu estou aqui. Desabafe para mim, não faz mal você ser emotivo às
vezes. Assim que são os seres humanos, somos movidos a emoções. – digo. – Se a
civilização e a ciência se desenvolveram tanto, foi porque as emoções nos
levaram a isto, de algum modo.
–
Pare de viajar!
–
Estou tentando sensibilizar você, tocar em seu coração cheio de chagas, mostrar
que há sim um brilho na vida, só é necessário um polimento. – me aproximo quase
que imperceptivelmente. – Vina, não se fecha uma ferida cutucando ela toda
hora.
Ele
fita meus olhos com raiva. Está perdido dentro de si e no meio dos outros.
–
Já fiz muita coisa errada nesta vida, nem tudo pode ser consertado! Eu sou um
lixo de pessoa, me sinto como um assassino após um homicídio! – berra, rasgando
o ar.
–
Entendo...
–
Não, você não entende! Você sempre se dá bem, sempre tive inveja de você! Você
é muito bom em tudo o que faz!
–
É porque faço o que quero, mas faço com amor e sem remorso. – digo. – Olha, eu
sei que você não é santo, mas com certeza existe uma doçura dentro de você.
Você pode não conseguir consertar tudo, mas pode conviver com certas coisas e
fazer as coisas certas.
–
Ah, cale a boca! – encosta o dedo no gatilho, a mão tremendo bastante.
–
Escute! Essa arma vai decidir a sua vida a partir de agora! É um símbolo de
mudança, ou você acaba com tudo ou você começa tudo de novo. – lágrimas
escorrem pelo meu rosto. – Não faça isso comigo, não se mate, Vina!
Os
seus lábios tremem e seu nariz escorre. Ele está mais perto do que parece.
Talvez eu tenha, inconscientemente, me aproximado demais dele. Ou talvez ele
tenha, inconscientemente, se aproximado de mim. De qualquer modo, nenhum de nós
estamos cientes da magnitude dos nossos desejos. Passamos a vida inteira se
descobrindo e se redescobrindo, só são necessários os gatilhos certos.
–
Largue essa merda aí e vamos viver tudo o que há para viver! – soluço. – Você
não pode simplesmente entrar na vida de uma pessoa e largar ela assim! Eu amo
você, apesar dos seus inúmeros defeitos! Você nunca vai mudar esse seu jeito, e
não desejo que mude!
–
Pare, me deixe morrer! – sua voz é trêmula e desafinada.
–
Você é um idiota! – grito, choro.
–
Seu retardado! – grita, chora.
–
Vagabundo, burro, sem noção, alienado, depressivo sem sal!
–
Louco, doente, demente, safado, sem vergonha!
Ele
atira a arma no chão e se projeta no meu peito com brutalidade. Caio e rolo no
chão, me arrebento. Batemos as cabeças um contra o outro, a dor é aguda.
Vinícius me abraça forte e chora como uma criança perdida que acabou de reencontrar
a mãe.
–
Acabou o drama, seu inútil? – pergunto. – Você devia mesmo começar aquelas aulas de teatro.
Ele
chora mais forte e murmura algumas palavras. Ao mesmo tempo em que não tem
força nas pernas, tem até demais nos braços. Como um fogo, sua alma está sempre
ardendo. Ou ela queima mais ou ela reduz em intensidade. Só é necessário o
sopro certo. E eu estou aqui para consertá-lo
– Se você for se
matar de novo, faça-me o favor de me matar antes. – digo. – E, poxa vida, sorria mais, por favor.
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