sábado, 14 de agosto de 2010

Poder dos andares


                    O que mais gosto na vida é o fato de poder fazer qualquer coisa, a qualquer hora.
                O que menos gosto é o fato de ter que respirar a todo o momento. A toda hora.
                De ter que piscar também. Imagino o que aconteceria se parasse de respirar. Porque parar de piscar já consegui. Três minutos, recorde pessoal.
                Meu maior medo é fazer alguma coisa em algum momento. Quando estou sozinho, ninguém me impede. Nem mesmo meu amigo imaginário. Quando estou sozinho, qualquer coisa é ameaça. Tenho medo de jogar minha vida pela janela. De jogar meu celular... No fim, dá quase na mesma.
                O que irrita quando estou acompanhado, é o fato de não poder fazer tudo o que quero. Quando quero.
Tem horas que é até bom ser impedido, mas não deixa de ser frustrante.

              Há certas coisas que não podem ser impedidas. Isso não significa que são boas, ou ruins. Apenas inevitáveis. Como o fato de não conseguir olhar para uma palavra sem lê-la.
Uma coisa interessante é o meu poder de criar coisas, a qualquer hora.
Quem o diga Carl, amigo meu. Aparenta ser mudo, meio assustador. No entanto, no fundo, sei que tem um grande coração. Só aparece quando estou chapado, ou bêbado. Só aparece repentinamente, só eu o enxergo. É tanta merda na cabeça que algo precisa escapar. Não só falo "sozinho" com ele, mas também falo sozinho comigo... Ou com alguém ninguém, mas não Carl. Ele existe, para mim.


               Consigo provar que descarto palavras úteis ao vento, tiro o lixo do lixo: 


               “Que dia lindo, não?, me direciono ao alguém ninguém. Provei. Espelhos são bons porque amenizam a situação. Com eles, realmente parece que está conversando com uma pessoa física. Nunca perco a chance quando vejo um.
Agora, preciso continuar respirando, enquanto penso... Esqueci de piscar, caralho.

             O problema em piscar quando ciente é: piscar. O mesmo vale para a respiração.


             O que antes era suave e silencioso torna-se uma respiração pesada e escandalosa. Só para certificar que estou vivo, ainda.


             Quando não me convenço, é hora da respiração profunda. Como um bocejo. Porém, nessa altura do campeonato, lembro que tenho que continuar piscando.

              A respiração profunda me garante continuar a viver, só que não faz esquecê-la.


              Há uma não tão remota possibilidade de eu possuir a "maldição de ondina". Uma doença psicológica que faz, periódica e aleatoriamente, a vítima perder controle da respiração.

              Lembro que tenho que esquecer de esquecer de respirar.
Agora estou sozinho, no décimo primeiro andar. Meu nome é Hector e este é Carl.
Sou bonito, Carl está feio hoje... Não pisca.
“Carl, olhe para lá um pouco, está me assustando... E pisque, pelo amor de Deus, rapaz.”
Quanto mais falo, mais Carl fica feio. Não há lógica.
Quanto mais bebo meu Bourbon, mais bêbado fico. Lógico.
“Carl! Pisque rapaz!”
O tempo passa e Carl não pisca. Paro de respirar...
Será que o tempo pisca? Por quanto tempo o tempo ficou sem piscar? Ele respira?
Quanto mais a garrafa de Bourbon vira, mais minha vista desfoca.
Fecho os olhos por três minutos... O tempo tem maldição de ondina?
Respiro fundo e deixo uma nota na consciência: “Favor não parar de respirar. Nunca! Não sou amaldiçoado!”
Abro os olhos... “Bu!”, diz Carl.
O maior temor acontece, jogo minha vida pela janela. Quem dera fosse o celular...

            A boa notícia é que a nota funciona... Mas paro de piscar. Droga!

            Que dia lindo, não?

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