sexta-feira, 23 de abril de 2010

Efeito Borboleta


Canhoto, deitado no tapete da sala de visitas. Perco tempo, que passa pelos vãos da mão como vento claro ou água pura. O fim todo instante caminha para cá, ao passo que divago no tédio. O fim, o absoluto. O nada, o tudo. O branco, o preto.
Tique aqui, taque lá, mosquito no teto, mosquito na parede. Mosquito achatado.
É normal alguém receber mais atenção que alguém, ou atenção além das fronteiras do mérito ou das fronteiras do mérito hipotéticas. Mosquitos são reis do “olhe eu aqui”, bazofiando seus ruídos que trincam a paciência e a falta de pequenos calafrios. Não dá para tentar se imaginar nadando em um conceito com alguma coisa acabando demolindo o tédio.
Agora dou uma volta – depois de coçar as costas e fazer um buraco na parede –, pensando no porquê desta volta, que não necessariamente precise de uma volta propriamente dita. Em qualquer momento posso me arremessar na frente dum caminhão, me projetar de cabeça no muro, ou furar o saco pequeno de algum trivial bandido. No entanto, simplesmente ando e dou minha volta.
Jovens ouvem suas músicas em celulares ou players de música com os corpos para lá e para cá, e os dispositivos se balançam também como pêndulos, formando um sistema complexo de oscilação repetente. Neste vai-e-vem infernal o fim não chega. Não sem uma leve apressada nos passos. Que vão se apressando e se confundindo e tentam ou querem se colidir. Há uma diferença entre uma ação perfunctória e uma ação do interno desejo.
Caminhando de mãos vazias percebo que cambaleio de maneira débil, retardada. Simplesmente o que acontece quando se pensa demais nos pés. É o mesmo princípio de se concentrar na respiração, que acaba se tornando uma tortura pela vida. Ou piscar os olhos, uma tortura pela boa concentração e visão limpa e sem dores. Já basta o Sol para semi-estuprar a minha vista e fritar o óleo da minha testa.
Quase nunca, anões e pessoas sem braço ou  perna cambaleiam em agonia, conseguindo ser mais estúpidos que minha marcha descompassada. Distorcidos e anormais. Aberrações naturais ou artificiais. É banal sempre haver alguém mais esquisito que alguém. E o preconceito só é engraçado quando contado fora do perímetro de perigo.
Penso no fato de perder um membro. Certamente um momento macabro. Assim como cegos, seria melhor já terem nascido cegos, assim não sabendo o que perderam ou ganharam, ou terem perdido sua visão durante as monótonas vidas? Percebendo assim o quanto a escuridão pode ser relaxante, ou perturbadora. Ou agridoce.
E lá se vai meu braço, e ali está minha perna.
Opa, espezinhei meu globo ocular!
Olha só, meus membros estão se desacoplando, sou um leproso miserável.
Preste atenção na dor excruciante, olhe só meu intestino sendo desenrolado do grande carretel de tripas e virando grande corda de pular.
Foi só uma brincadeira inocente, mas bati sem querer na própria perna com a tábua de bate-ombro, a cena foi minha patela ensangüentada voando para o desconhecido.
Opa, foi mau, é que esta serra não aguenta a rigidez da madeira boa. Foi mau, pode crer, cara.
É natural sempre haver um momento mais horrível que o momento horrível doutro tongão. Extremamente natural haver alguns decapitados prestes a deitar ou alguns moribundos hemorrágicos.
Ouvi falar ontem do efeito borboleta. Sutis detalhes inexistentes acabam desgraçando com uma tragédia. Boa ou ruim. Continuo a pensar e escrever na cabeça, ao mesmo tempo em que volto a concentrar-me em minhas pegadas e percebo que estou de mãos vazias. Não há sentido em pensar no passado. A única coisa mais irracional que a preocupação é a pós-ocupação.
Num momento penso em como beija-flores batem asas rapidamente sem fadiga quase que imediata. Noutro momento estou sem a perna esquerda.
Analisando bem, essa volta não foi tão fútil, como segundos antes pensado. Agora estou ciente do sentimento de assistir de camarote uma amputação de membro, e melhor: do próprio membro, e do melhor modo: ridiculamente. Sem falar nas dezenas de ossos quebrados e trincados pela imensa roda do caminhão da Hello Kitty. Algumas fraturinhas expostas aqui e uma sucinta poça de líquido avermelhado em tom de sangue. Isso virá a ser um incomodo um dia ou outro, quando infecções começarem a vir à tona.
Orifícios, o corpo humano é um buraco.
Só uma coisa me importa agora nesta hora.
Sou o centro das atenções. Tamanha excitação que temo ficar ereto. Alguém “se preocupa” comigo, só pelo fato deste se juntar à rodinha de estranhos sádicos homofóbicos que cresce em progressão geométrica. Eles realmente estão se importando apenas para o próprio prazer, mas prefiro fingir que sou o centro das atenções. Divagando no amor.
E realmente, nunca pensei que o sangue seria tão escuro e grosso.

4 comentários:

  1. não se pode perder tempo, tempo não existe!

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  2. Tempo seria metáfora para vida, cada célula que vai definhando a cada suposto segundo.
    Sentido figurado meu rapaz.

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  3. sentido figurado é o zé do caixão pelado na chuva com um milho enfiado na bunda

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  4. Meu Santo Jesus Cristo de Nazaré e do Reino do Céu e Inferno da Terra!

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