quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Cuidado...



Tudo aconteceu porque eu decidi comprar um avião, ao invés de um jet-ski. Aliás, começou um pouco antes disso, quando eu quis fazer aulas de piloto de avião, ao invés de aulas de piloto de jet-ski. Não sei se são necessárias algumas aulas para aprender a pilotar um jet-ski, visto que o mar é um lugar meio parado em termos de tráfego. Eu poderia ter sanado esta dúvida se eu tivesse escolhido a opção marítima. O tráfego aéreo também não é conturbado, mas um avião tem o esquema da tridimensionalidade de movimento que complica um pouco a coordenação motora do indivíduo. Há muitos graus de liberdade num avião, podendo se locomover em retas contidas em três planos ortogonais diferentes, e ainda com o bônus de poder girar em torno do eixo de propulsão do jatinho.
                Eu comprei um jatinho. Porque eu tinha muito dinheiro. Tanto dinheiro que eu não sabia o que fazer e comprei, primeiramente, um jatinho. Não era um muito bom, malmente chegava à velocidade Mach 1, porque o dinheiro que eu tinha era tanto, mas não tanto assim. Se eu tivesse comprado um jet-ski, possivelmente nenhuma tragédia tivesse ocorrido. Tudo gira em torno do jatinho.
                Eu não tenho mais dinheiro. E não foi só o dinheiro que eu perdi, infelizmente, mas já chegamos nesta parte da história. Foram tantas escolhas erradas que eu fiz que eu não sei por onde começar.
                Hoje é o meu aniversário. Parabéns para mim.
São tantas coisas para eu me lamentar, tanto passado para remoer, que eu me perco no próprio pensamento, e eu não sou hiperativo e não tenho nenhum déficit de atenção. Muito pelo contrário, eu sou muito concentrado. Uma alternativa plausível para o turbilhão de coisas na cabeça é a insanidade que brotou na minha massa cinzenta. “Você está louco!” é o que qualquer pessoa sã diria a mim e, deste modo, eu devo estar louco mesmo.
                Tenho doutorado em física. Já fui um aluno muitíssimo aplicado e focado nos estudos. A minha curiosidade, desde criança, é extremamente grande, o que não é nenhuma qualidade. Não foi com um currículo carregado que eu ganhei uma porrada de dinheiro, que acabou acabando comigo e com toda a minha família, e, ironicamente, com todo o meu dinheiro. Eu só quis mencionar sobre quem eu era para você se familiarizar comigo e decidir se sente pena ou ódio de mim.
                Minha mãe dizia que a nossa sorte é a gente que faz. Quanto maior for a sua vontade, maiores serão as suas conquistas. Você chega até onde você se permite chegar. Minha mãe dizia para eu não fazer corpo mole pra nada e fazer o que eu acho que é certo que eu teria sucesso na minha vida, que eu faria a minha sorte.
                Comecei a refutar a teoria da minha mãe quando eu fui dar uma mijada perto da linha do trem e achei quatro maletas pesadas com uma quantia acumulada de, aproximadamente, uns vinte e cinco milhões, setecentos mil e dois reais (demorei pra contar, mas não fiz corpo mole). Isso, claramente, foi sorte. Foi estatística, e não calorias queimadas pelo esforço físico e mental para se atingir um sonho. Isso aconteceu há um mês, mais ou menos.
                Larguei o meu emprego. Despertou em mim um sentimento de liberdade, surgido do dinheiro e catalisado pela minha curiosidade nata. Dinheiro compra tudo, principalmente liberdade. Dinheiro, ironicamente, acaba com tudo, também.
                Estou me contradizendo, devo estar louco.
                Pensando bem, eu acho que tudo foi ao caminho da merda quando eu optei por mijar perto da linha do trem, ao invés de esperar chegar em casa, abraçar a minha família linda (uma filha, um filho e uma esposa) e me aliviar no vaso sanitário do banheiro. Pensando bem, tudo gira em torno da mijada.
                Peguei as maletas, seguindo o conselho de um amigo meu, quando éramos crianças: “achado não é roubado”. Enfiei rapidamente as maletas no meu carro, pensando que eu seria assassinado algum dia por algum cara querendo reclamar o que era supostamente seu. Seria muita sorte se eu fosse assassinado. E como era muito bom para ser verdade, isso não aconteceu. Por causa disto, eu cheguei em casa, abracei a minha família e, ao invés de abrir o zíper da calça, abri os zíperes das maletas e mostrei o dinheiro ao invés do pinto.
                Já me enrolei demais. Vou acelerar o passo da história.
                Depois que eu larguei o emprego, decidi fazer aulas de voo, porque decidi comprar um jatinho, ao invés de um jet-ski.  Aprendi rápido a pilotar, porque sou muito aplicado e entendo de física (minha mãe dizia que informação é poder). Eu não pensei duas vezes e encomendei o jatinho completinho e com tanque cheio. Eu decidi chamar a parentada toda para o meu aniversário, na minha casa, por minha conta. O jatinho chegou bem no dia da festa, isto é, hoje, e bem na minha casa, o que não é necessariamente bom. Eu decidi tomar um copo de uísque. Eu decidi tomar dois copos de uísque. Eu decidi ignorar a minha esposa e terminar de tomar o meu sexto copo de uísque. Eu decidi chamar atenção e voltar a ser criança e entrei na cabine do avião. Eu decidi mandar a minha esposa calar a boca e parar de se meter na minha vida, porque eu sou um adulto e faço o que eu quiser e o que eu “achar que é o certo”, e também “não faço corpo mole pra nada”. Eu decidi decolar, depois de ter andado por algumas quadras na rua que nem um louco. Eu decidi fazer um loop no ar. Tudo girava em torno do jatinho. Como eu optei pelo uísque e eu não era tão foda quanto eu imaginava,e por causa da força G atuando no meu íntimo, perdi o controle do avião. Eu sempre quis me ejetar de um avião, então eu o fiz. Ejetei-me no ponto máximo do loop e me projetei loucamente em encontro ao chão. Por sorte eu tinha decidido colocar o paraquedas antes, e foi a coisa mais louca da minha vida eu ter me ejetado de ponta-cabeça.
                Bom, a coisa mais louca da minha vida, na verdade, foi ver o avião se arrebentando na minha casa e matando todo mundo dentro. Eu assistia ao fogo consumir tudo e todos enquanto eu descia suavemente com o paraquedas, soluçando de bêbado.
Falando em coisas loucas, estou louco. Porque eu perdi tudo de uma vez só, eu acho.
                Temos quatro morais para esta história. Primeiramente: segure a sua bexiga o máximo que você puder. Segundamente: se você puder comprar um jatinho, por favor, não compre um jatinho. Terceiramente: achado não é roubado, mas foda-se esta expressão. Quartamente: cuidado.
Pensando bem, temos uma quinta moral: a sorte é aquilo que você constrói com esforço e conquista aos poucos, o resto é azar.  Minha mãe dizia isso, também.
O dinheiro eu perdi porque eu fiquei com preguiça de colocá-lo em um cofre seguro de um banco seguro, porque eu decidi deixar o dinheiro dentro das maletas, e as maletas dentro da minha casa que era uma casa pequena, mas agora é a maior churrasqueira do mundo com um monte de carvão e carne. Vou ficar um tempão pensando no que fazer, de agora em diante, fazendo nada onde o sol decide nascer quadrado.


Nenhum comentário:

Postar um comentário