Uma lâmpada está diretamente acima dos meus olhos. Estou deitado em um
lugar duro. Sinto frio e o silêncio é absoluto. Não consigo me concentrar
direito, minha vista está meio embaçada. Uma cabeça de homem aparece, ele está
de pé ao meu lado. Não o ouvi se aproximando, talvez minha audição esteja
precária.
– Vou começar. – ele diz.
Pelo menos consigo ouvir claramente. Agora que penso
nisso, consigo ouvir seus passos. Estou preguiçoso, exaurido.
– Quem é você? – pergunto.
– Meu nome não significa nada. – diz, em tom calmo.
– Não importa como você chegou nesta situação. Nós vivemos no presente, o que
aconteceu antes disto não é relevante. Nós vivemos situações, uma por vez.
Um calafrio sobe a minha espinha. Forço os meus
membros e algo reage contra os mesmos, mantendo-os no lugar. Um frio me sobe o
corpo. Percebo que estou nu. Debato-me ainda mais. O homem passa por cima da
minha cabeça, perto de mim. Uma sensação estranha me invade as entranhas. Seu
rosto aparece novamente, ele é relativamente jovem. Apalpa minhas bochechas com
as mãos quentes.
– O que eu fiz para você? – pergunto, com a voz
falhando.
– Vocês não sabem das coisas. – passa a mão em
minhas sobrancelhas. – O que aconteceu no passado não tem relevância. – empurra
minhas pálpebras suavemente e fecha meus olhos. – Vocês não sabem das coisas.
Mexo a cabeça para os lados para não correr o risco
de ferir os olhos. O homem se afasta, seus passos são vagarosos. Mexe em alguns
objetos. A luz da lâmpada faz minha vista arder. Não adianta eu fechar os
olhos, a luz continua a me incomodar. Ainda estou em estado entorpecido.
– Porém, não se adiante para conclusões. Não afirmo
que o presente possui significado intrínseco. Vocês gostam de deduzir coisas. Não
há sentido. – diz, ainda revirando as coisas.
Meu coração cavalga, quer fugir pelas orelhas. Suo
pela testa, ranjo os dentes, forço a mandíbula. O que me segura pelas pernas e braços
é frio, talvez metálico. Debato-me com maior violência.
– O que vai acontecer comigo? – pergunto. Ele
continua a fazer o que faz. – Fale! – grito.
O barulho de objetos cessam e iniciam-se ruídos de
sapato. Debato-me desesperadamente, estou dolorido em todos os músculos. Sinto
cãibras nas panturrilhas e cansaço nos braços. Um suor salgado escorre
diretamente à minha boca, passando entre meu nariz e meu olho direito. O homem
aparece novamente. Sua mão acaricia minha bochecha.
– Preciso mesmo estar nu? É humilhante. – digo.
– Você só se sente humilhado porque quer se sentir assim.
– diz, olhando para mim.
Seus olhos
me causam arrepio. Respiro pesadamente. Sinto uma coisa fria na minha bochecha.
Essa coisa é pressionada contra mim, lentamente, até que faz uma incisão em
minha pele e atinge a minha carne. Grito de dor, mexo-me freneticamente. Acabo causando
a abertura do corte até o lóbulo da minha orelha.
– A morte é natural e passageira. Vocês se
preocupam demais com isso. Vocês sofrem demais com esse assunto. – caminha pelo
meu lado, deslizando a mão pelo meu corpo. Acompanho o seu deslocamento
furiosamente, com a mandíbula travada e bufando com força. – Você só sofre
quando não aceita isto.
Estou cansado e dolorido. Respiro pesadamente. Minha
nuca lateja de enxaqueca. Bufo, arfo. O homem passa a mão pela minha região
esternal, pela minha barriga, pelo meu umbigo, pelos meus genitais, pelas minhas
pernas e até o meu pé. A partir desse ponto ele dá a volta ao redor de onde
estou deitado e passa a mão em sentido ascendente, fazendo o caminho inverso. Sinto-me
um lixo.
– Você pode virar um escritor. – digo. – Já pensou
nisso? Já pensou que você sabe bem das coisas? Algumas pessoas iriam adorar as
suas ideias, eu tenho certeza. Sério.
– Eu não sou seu amigo. – diz. – Vou definir
amizade para você, já que você não sabe de nada. Amizade é interesse, vindo de ambos
os indivíduos. Vindo de vocês. – diz isso quando já está em meu mamilo direito.
– Relaxe o corpo, relaxe a mente.
Chega ao meu lado. Volta a acariciar minha face.
Estou cansado demais para resistir. Suado demais. Viro a cabeça de lado para
evitar a luz. Uma gota de sangue salgada escorre diretamente à minha boca. Ele
passa a mão na ferida, urro e dou um espasmo de dor.
– Eu vou te matar! Eu juro que vou te matar! –
berro com a mandíbula tensa.
– Desapegue-se de você. – diz, enquanto aproxima a
lâmina de meu nariz. – Você viveu demais. – puxa lentamente a lâmina, a partir
do interior da minha narina esquerda.
Parte a narina ao meio. A dor é insuportável.
– Filho da
puta! Desgraçado! Monstro! – berro, minha garganta rasga por dentro. – Eu não
vou fazer o que você diz! Você não manda em mim! Lazarento!
– Tanto faz o que você faz. – diz, acaricia o corte
da minha narina. Recuo a cabeça contra a superfície dura.
– Cale a boca, imbecil!
Sua face é neutra, não demonstra nada.
– Se você tivesse aprendido algo, você morreria
desacreditado da vida. – diz, corta outra narina.
– Seu maldito, demônio! Você vai queimar no
inferno!
Acaricia o corte da minha outra narina. Recuo.
– Pare, por favor! – grito com a voz rouca, frágil, e chorando.
– Relaxe. Vocês vivem demais.
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