segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Conflitos



Preciso manter a cabeça fria, é muito estresse. É estranho também. Tamanho é o meu desejo de não estar vivendo realmente, na realidade mesmo, que a situação é surreal. O cenário, os personagens, tudo é surreal demais.
      – Na vida você sempre está indo. Você sempre vai para algum lugar fazer alguma coisa. – Roberto diz. – É chato.
        Minha cabeça lateja, estou tonto, entorpecido. Minhas pernas irrequietas, meu coração alucinado. Tento manter a lucidez aqui.
      Talvez seja um sonho lúcido. Ou talvez eu queira tanto que seja. Eu posso ter feito isso mesmo, mas eu posso não ter feito e acordar meio molhado na minha cama. Realmente, eu consigo sentir cheiro de urina, e vem de mim. Essas coisas se refletem no mundo real, ninguém sabe ao certo como os sonhos se relacionam com os fatos. Ou eu quero ser otimista demais e pensar que, se eu não sei e não consigo raciocinar direito agora, é porque ninguém mais sabe destas coisas.
       – Isso foi bom. – Roberto diz. – Isso foi bom. Quebrou a monotonia, me sinto mais aliviado agora. Acho que vou fazer alguns polichinelos e experimentar esse meu novo eu renascido.
         E Roberto começa a fazer polichinelos no beco.
         – Um, dois, três... – conta.
       Quatro, cinco, seis, sete... Quem eu estou enganando? Eu sei o que está acontecendo, não adianta eu querer me distrair com coisas triviais como contar números. Mas será isso real? Eu nunca tive dúvida assim, na minha vida. Pelo menos eu acredito que nunca tive dúvida.
       Ouço os pés do Roberto batendo no chão em um ritmo mais ou menos definido. Ele continua a contar, pulou o número trinta e foi direto ao trinta e um. Já sua.
     – Pense, nós nos enfiamos em problemas constantemente. – diz, ofegante, em meio aos polichinelos. – A vida é um constante se enfiar e se desenfiar em problemas, porque só nos sentimos bem quando saímos de situações ruins. Gostamos de experimentar coisas. Os sentimentos são tudo o que somos, são eles que fazem as coisas.
        Tento remontar a história. Possivelmente eu posso confiar em mim para isso. “O que importa é a minha opinião, que se foda a dos outros”, não é isso o que diz a sabedoria popular? Bem, minha opinião é que é sim isso mesmo.
         Sim, respiro fundo.
        Era eu e o Roberto lá em casa. Tomei somente um suco de maracujá e somente um anti-depressivo.
         Certo.
         Roberto tomou uísque com vodca com tequila em um gole só. E o copo era grande. Eu o vi tomando e pensei em tomar também, mas não tomei.
         Correto, prossiga.
         Eu ri bastante quando ele tomou metade do terceiro copo e derramou a outra metade sobre si. A roupa era nova, segundo ele, mas parecia e parece um trapo. Depois disso, eu... Eu acho que eu engoli o resto da cartela de comprimidos e não era pouca coisa. Bom, não é muito forte também. Não eram muito fortes.
         – Assim, o negócio... – para de pular, arfando. – O negócio com as pessoas é que elas fazem o que bem entendem. No fundo, não existe altruísmo, porque elas ajudam o próximo para se sentirem bem consigo. Assim, as pessoas se metem em problemas ruins demais para saírem bem deles, e assim se sentem bem consigo mesmas por terem superado uma coisa ruim e estarem bem com a vida depois de terem passado por tudo o que passaram. – arfa.
        A próxima coisa que eu me lembro é de ela falando para eu parar. Engraçado. Eu ri na hora, porque achei engraçado. Eu disse que não iria fazer nada, a pistola era só para botar uma pressãozinha, já que só assim ela me leva a sério. Nisso, Roberto pulava bem louco e bêbado, e eu bem deprimido embora tivesse me dopado com remédios.
         Eu me lembro de ter parado um pouco com a arma pendendo no ar, encostada na testa dela. Eu me desliguei do mundo, ou voltei ao mundo, para pensar em que porra eu estava fazendo. Era uma atitude extremista demais, eu provavelmente estava exagerando sofrimento. Digo, todo mundo diz que todo mundo passa por isso. Todo mundo passa por isso e se sente bem depois por ter superado uma coisa insuperável. Eu que criei aquela depressão, eu que achei que ela me aceitaria por pena. Tive pena de mim mesmo por todo esse tempo, desde quando criei essa obsessão, a cultivei e colhi uma depressão básica falsa.
         Com certeza eu talvez tenha assustado ela com aquela arma pendendo no ar, encostada na sua testa. Nem estava carregada, eu só queria fazer algo extremo, só queria que ela parasse para me ouvir realmente e saber o quanto eu estava sofrendo. Eu sofri demais, eu não entendo ninguém, eu não me entendo.
        – O sentido da vida é continuar com a vida, procurar buscar cada vez mais reações químicas. Experimentar reações químicas loucas. Digo, você me entende, né?
         Daí vem o Roberto idiota e pega a arma da minha mão e desce varias coronhadas na cara dela, espirra sangue para todo lado e ela gritando meu nome e me desculpando e falando que me amava e eu parado ali. Travei. Não sabia o que fazer. Não sei o que fazer. Nunca soube o que fazer. Eu estraguei a minha vida. Eu estraguei a vida da família dela. Roberto disse que me ajudou a sair de um problema muito, muito ruim, porque ele não me aguentava ver daquele jeito pessimista. Eu estraguei a vida das amigas e amigos dela. Roberto disse que o beco estava frio.
          – Cara, você é a única pessoa que me entende. Saia dessa crise e volte a ser quem você era. Eu digo, você me entende, né?
           Ele está muito bêbado.
         – Assim, o sentido da vida ninguém sabe. Quem disse que é importante sabermos? Não estamos vivos agora? Então, o que importa o sentido dessa porcaria, se não podemos escapar dela? – para um pouco, coça a cabeça. – Digo, eu sei que conseguimos escapar da vida, porém, veja só, você me entende, a vida é tudo o que temos. Não importa o que fazemos de errado ou de certo, estaremos vivos sempre.
       Ela está ali no canto, ensopada em sangue. É tudo culpa minha. Eu não devia ter deixado a situação entre nós chegar a isso. Desnecessário demais.
        – Assim, veja bem, ou melhor, ouça bem: Alguém acha que a vida é servir ao divino. Outro acha que a vida é gozar porra toda hora. O terceiro cara acha que nunca encontraremos o sentido da vida. Eu faço parte de um tipo que não quer saber disso e somente vive o momento.
        Ela está ali parada, morta, inanimada, vulnerável. É tudo culpa dela, se ela tivesse me ouvido e me levado a sério, se não tivesse pisoteado nos meus sentimentos, se não tivesse massacrado tudo o que sou. Se ela tivesse me desculpado. Eu sei que o que eu fiz foi errado, já me arrependi a semanas, me senti desesperado e com nó na garganta constantemente, e gradativamente pior. Eu tenho problema mental, talvez, um transtorno, mas é tudo culpa dela. Desnecessário.
       Por que eu me sinto mal? É por ela? É por mim? É por eu ter perdido ela? É por ela ter se perdido?
        – Por que se preocupar com o futuro? Por acaso você vive no futuro? Relaxe, cara, esse é só mais um problema na vida. Nós vamos voltar a nos sentir bem novamente.
       Eu só segui o que eu achava que era certo. Eu nunca fiz mal algum. Posso ter parecido um psicopata, mas minha intenção nunca deixou de ser pura. Eu sonhei com sorrisos, beijos, carinhos, abraços, risadas, calor, sexo, alegria, pulos, brincadeiras, parceria, confiança.
        Fui ingênuo o bastante para acreditar que eu tinha certeza mesmo que eu era ingênuo? Ou fui ingênuo apenas, realmente?
         – Tudo bem, tudo bem. – Roberto diz. Põe a mão no meu ombro. – Diga-me, se você tanto quer, podemos procurar algum sentido na vida. Porém, eu acho bobeira. Entretanto, cada um pensa o que quer sobre a vida. Todavia, preciso saber se você está se sentindo bem. Deste modo, você está se sentindo bem?
         – Eu não sei.
         – Sabe sim. Então, me diga, então, o que você acha da vida?
         Respiro fundo. É tudo culpa do Roberto.
         – A vida é um mal-entendido.
         Enfio a faca na garganta dele.
         Tremo. O beco deve estar frio. Não é por isso que tremo. Mas, potencialmente o beco deve estar frio, já agora a pouco estava.
         Eu não consigo escapar de mim. Será que estou morto? Que tipo de pergunta sem sentido é essa? Será que estou louco?
          Eu não sei.
         Ou eu não sei se eu não sei.

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