sexta-feira, 14 de maio de 2010

Existência oca


Ventinho você adorava, então nota gelo. Depressão excedente. Restos melancólicos e lembranças de coisas fúteis, na passada não passam – permanecem.
Porquês duvidosos.
Nas saudades incertas, jamais pensou, e jamais pensou em pensar. Até agora, eram apenas memórias.
Soberania da confusão.
Brisa álgida estapeia, saudade à tona chega. Veloz como rojão, águia negra.
Muito rápida.
Sol insensível crema entranhas, carboniza paz. Você, escorado na penumbra. Ângulo, cor e intensidade sutis do astro espantam, longínquas. Luz escura não lhe tange.
Não diretamente.
Aquele raiar crepuscular, tão sereno e morno. Outrora poderia ser conforto.
Desconcertante.
Tem ciência de que noite está iminente de renascer e que a sós, num domingo sombrio, está e passará. Nesse naco do que sobra do dia, o que lhe resta é sufoco.
Sequer pensou tamanha tortura existir.
Televisão bombeia sanidade com programas tristes, inevitável ardência interna. Outrora poderiam ser cativantes, com todos os sorrisos e saltos.
Nostalgia bombardeia.
Luz apagada, filamento de tungstênio relaxado. Neste instante, sente-se mais por objetos que por pessoas.
Solidão amarga.
Ao passo que alheios gozam de festa matrimonial, bem produzidos, você delira no sofá toda produção de pavor.
Costas magoadas, asfixia na alma.
Pelo fato de não quererem incomodar, seus chegados simplesmente não o incomodaram.  Deixaram-no descansar. Ironia tanta que nem pensa mais em baixar pálpebras. Você descansava.
Você continuava a dormir.
Agora, a sós. Eles, estirados e passados.
Por que domingo?
Televisão densa, escuro cochicha rudemente dentro da caixa craniana. Palavras mudas, sem sentido.
E frias.
O que faz sentido?
Nada.
Ribombo talhante. Dança de alfabeto invisível. Massa cinzenta a ofegar. Cornucópia de quietude barulhosa.
Festa!
Encara-se no espelho do banheiro e perde foco. Encara mesmo assim próprios olhos e, tempo depós, sua feição o assusta. Dá solavanco de ré, espavorido. Nuca encontra azulejo novo da parede úmida.
Paredes geladas rodeiam.
Sequer considerou hipótese de aquilo ser você. Aquele ser, sem foco, não parecia ser o que você é realmente.
É chacota das paredes.
Não bastassem dores agudas dorsais e aspereza de coexistir consigo, cabeça agora dói.
E muito.
Pulsa, vibra, lateja, frio, frio!
FRIO!
Encolha-se em canto, não fique tanto. Luzes acesas devem ficar e reze para não  chover, trovoar. Torça por perdão da natureza, com sorte descarregará rancor noutro mais tarde instante.
Rasteje, implore ao nada.
Atravesse cômodos, olhe todos cantos, todos os vultos.
Rápido.
Ignore barulhos fantasmais e brisas arrepiantes. Fuja de frialdades.
Esconda-se.
Ligue luzes, clique interruptores. Não encare televisões e espelhos e camas preparadas. Sempre olhe para trás.
Sempre olhando para trás.
Até o presente, não conhecia o medo. Conhecia-o de vista. Agora amiguinho dele virou. Escuro vem no pacote, ature.
Terror dobrado.
Não são amigáveis. Não amigos por opção, e sim sem noção. Ruins. Frígidos.
Amigos não-amigos.
Brisa retorna periodicamente por fendas e frestas, a fim de incomodar e escarrar em sua cara. Para açoitá-lo e gargalhar. Um pouco mais, sempre mais.
Risos sádicos, golpes glaciais.
Casa foi tomada, não lhe pertence.
Não mais.
Dor intensa, lágrimas negras derramadas, esboçando trajetos pelo rosto esfriado seu. Não-quente.
Não mais.
Respirando pesada e sufocadamente, coração aperta-se a cada fração de instante. Sua alma queima no gelo, seu corpo esfria em próprio calor. Sofrimento. Não há opção. Injustiça. Quem decide destino não é você.
Não mais...

“Oco como coco oco
Agora estás.
Coco menos vão
Quase é.

Inexistência.
A existência oca.
Escuro vem,
Terror detrás.
               
Dorso, cabeça, alma.
Tudo pulsa, tudo pesa.
Falsos amigos e noite da tarde.
Tudo flama, tudo arde.

De uma só vez.
               
Astro impetuoso,
Brisas, espelhos, camas, tevês:
Sufoca, morra em desgosto!
Negridão e gelo no rosto.

Engasga com temores,
Mergulha em horrores.
Nem segundo de oi,
Esperança se foi.

Entrega-te, humilha-te,
Lamenta e estremeça.
Degluta dor,
Sobre ti cai.

Valentia se vai.

Silêncio afiado.
Naquele,
Neste lado.

Palavras mudas:
‘Caia, padeça!
Tortura, tormenta!’

Inimigo festeja.
Adversário invisível,
Onipotente, invencível,
Onde esteja.

Festa!

Encolha-te,
Fica doente.
Definha-te
Sob Sol poente...”

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