segunda-feira, 17 de março de 2014

Efeito borboleta II



Eu não ouvi o despertador, e isso foi há meia hora, mais ou menos. Não consigo calcular direito. Além de ansioso, estou com o peso de um sono. Escovo os dentes antes de tomar ou engolir o café. Ou seja, só passo pela cozinha por causa da porta de entrada e saída. Na corrida até o ponto de ônibus eu derrubo a maleta, mas consigo chegar a tempo com tudo em mãos e inteiro, mas não arranjo um assento.
O ônibus é uma lata de sardinha, só que com pessoas, embora o cheiro deixe dúvidas no ar. E acabo de me aperceber de que esqueci o meu celular. Os fones de ouvido estão no bolso, pelo menos. Não que sirvam a algum propósito, agora. E, portanto, como não há mais distrações, eu fico inquieto, como de praxe, e observo as pessoas.
Esqueci o meu relógio.
– Você sabia que a Maria engravidou? – diz uma idosa. Sentada.
– Jura? – diz outra. Sentada, também.
– Sim.
– Nossa!
Alguém ao meu lado pisa no meu pé. Aliás, eu uso meias diferentes. E o sapato sujou, agora, pois está chovendo e não percebi. Isso explica por que a minha maleta está encharcada. Meu joelho lateja, lembro que o esbarrei na quina do criado-mudo.
– Desculpe-me, moço! – diz a dona do pé que não é meu.
– Não foi nada. – respondo.
Ela é linda. É um encanto. É ruiva de olhos verdes.
Ela é doce em tudo.
Eu não sei o que dizer. Só a encaro nos seus olhos um pouco demais. Parece um filme romântico. Ela segura um livro e é cheirosa. Seu cheiro é doce. Eu não me esqueci de colocar as lentes de contato, só não tive tempo.
– Explodi um extintor de incêndio. – diz um rapaz.
– Eu não gosto de você, suma da minha vida! Eu não te amo mais! – grita uma menina chorosa ao celular.
Eu lembro que esqueci o celular.
Ela tem uma pele aparentemente macia, é branquinha. E gosta do mesmo livro que eu. Mesma altura, mesma cor de olhos, gosta de vermelho (suas unhas, seu batom, sua sombrinha). Nunca senti uma paz dessas. Nunca senti paz.
Eu preciso dizer algo. O jeito dela é angelical.
– Que horas são? – pergunto.
– São nove e meia. – ela responde.
Linda voz. Lindos lábios.
– Você viu aquele cara ali fora? Muito engraçado, ele tropeçou! – diz um rapaz cabeludo e sentado.
– Ele caiu? – pergunta outro, careca. Sentado.
– Não.
– Nossa...
Ela é, simplesmente, o amor da minha vida.
O ônibus para. E eu lembro que hoje é domingo e eu poderia estar dormindo agora, na minha cama, na minha casa. Lembro também que me esqueci de desativar o despertador para domingos.
O ônibus se move. Um solavanco me joga para o lado, mas não atinjo a moça ruiva. Ela não está ao meu lado, e nem sentada ou por perto. Sinto o seu perfume invadir suavemente as minhas narinas. Isso elimina o cheiro de sardinha e me entorpece.
– Que dia feio hoje, amiga. – diz uma jovem loira que masca goma de mascar. – Concorde comigo, amiga.
– Sim. – responde outra jovem loira.
Eu esqueci que a vida não é um filme. O amor da minha vida partiu. E o meu sapato está sujo.

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