Ela gargalha com vontade. Estamos num bar, cheguei
faz uma hora ou uma hora e meia, e desde então não me levantei do banco. Também
não parei ainda de beber uísque e, o que é pior, de gastar o dinheiro que eu não
tenho. Ela chegou agora e não parece estar ébria. Eu não ouço bem a música da
banda, mas não gosto e, para falar a verdade, não ligo pra isso.
– Você é esquisito! – ela diz e ri.
Ela simplesmente sentou do meu
lado e riu da minha cara. Não me lembro de alguém ter feito isso comigo, desse
jeito que ela fez e faz. Desde que me apercebi como gente, ou seja, de quando
entrei na universidade e tomei o primeiro gole de vodca, eu não me lembro de
alguém ter rido da minha cara desse jeito dela. Eu não sei o seu nome e não a
conheço. Ela poderia muito bem não ter vindo aqui nesse bar, nesse meu lado. Mas,
aqui ela está, rindo de minha cara e de tudo que eu sou.
Eu sou o tipo de pessoa que não
possui o dom da empatia, tenho e tive o mínimo de contatos interpessoais. A
minha experiência eu compartilho comigo mesmo e somente comigo, e assim prefiro
e assim deve ser. As minhas idas aos bares são somente minhas, e assim são
e sempre foram. Se eu volto para casa embriagado de mais ou de menos, isso não
importa para ninguém. Eu moro sozinho e assim foi desde que meus pais morreram na
autoestrada. E assim será para sempre.
Está chovendo forte lá fora.
O uísque dela chega.
– Obrigada! – ela diz ao barman.
Semana passada eu cheguei em
casa cansado, moído de cansaço. Acabei de terminar mais um dia desgastante de
serviço, com todo o seu prosaico atrito, como era de praxe. Segui a minha
rotina tediosa de tirar os sapatos e de desabotoar a camisa. Peguei uma garrafa de
cerveja da geladeira e tirei a tampa com o antebraço. Afundei-me no sofá e permaneci
bebendo. Lembrei que o aluguel estava atrasado. E daí eu recebi uma visita.
Odeio visitas. Abri a porta, depois de meio ou um minuto e o homem entrou.
Levou a minha carteira, um dinheiro que eu pensei que estava bem escondido, e
também a minha cerveja. E o homem saiu. Amador, mas armado.
Minha cabeça lateja de dor.
Ela bebe o seu uísque, me
imitando. E ela ri mais da minha cara. Dessa vez é mais alto e metade ou dois
terços do bar olham para mim. E isso faz com que ela ria mais.
A última briga que eu tive foi
com o meu chefe, há seis dias. Aliás, ex-chefe. Eu dei um murro nele porque ele
disse que eu tinha problemas com estresse. Ele tombou da sua cadeira detrás da
sua escrivaninha, e eu contornei a dita cuja. Levantei-o pelo colarinho. Bom,
não me lembro dos detalhes, mas ele está no hospital agora e eu acabei de sair
da cadeia. E também, coincidentemente, estou sem lugar para morar.
Já são onze e meia. Meus punhos
estão cerrados com força. Se o copo vai quebrar na minha mão ou não isso é
problema meu e somente meu.
Ela levanta e abaixa o copo no
mesmo ritmo que eu. Seu corpo está virado para frente, para o balcão, mas ela
me olha descaradamente de soslaio para poder mimetizar os meus movimentos.
Há cinco dias eu perdi minha
virgindade anal. Há quatro dias eu levei uma surra e apaguei. Há dois dias eu
acordei todo dolorido na cela. Há um dia eu chorei escondido, e podia muito bem
não ter chorado. A última vez que eu chorei, antes disso, foi quando eu era
criança e quebrei a unha de um dedo de um pé. Hoje eu não tenho nada a perder.
Nunca mexa com ninguém que não tem nada a perder.
Eu estou profundamente irritado,
incomodado, tenso e com dor de cabeça.
Ela ri novamente. Assim que eu
largo o copo no balcão, com força, e ela faz o mesmo, eu me viro para ela e ela
se vira para mim. O copo poderia muito bem ter quebrado. Eu ergo o meu punho para
ela e ela ergue a mão para mim.
– Oi, meu nome é Débora! – ela
diz para mim.
Ela continua com a mão estendida
na minha direção. Eu olho para a sua mão e depois para os seus olhos. Ela continua me
encarando e sorri largamente.
– Você é engraçado! – ela diz e
ri.
Alivio a força dos meus punhos.
Escuto a banda tocando. Alivio a tensão dos meus ombros. A chuva parou e já é
meia noite. Estou embriagado, levemente, ainda.
O seu riso e o sorriso me
provocam uma sensação estranha. Sinto que a minha face está se contorcendo de
uma maneira esquisita, quase dolorosamente. Os pulsos da minha cabeça abrandam.
Ela sorri para mim e continua
com o braço esticado.
Não me lembro da última vez que eu sorri.
Não me lembro da última vez que eu sorri.
– Obrigado. – digo. Aperto a sua mão. – Meu nome é Igor. – eu podia muito bem não estar aqui. – Você
salvou a minha vida.
– Prazer, Igor!
– O prazer é todo meu.
Eu sorrio para ela e continuo
com o braço esticado.
Nós gargalhamos com vontade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário