sábado, 17 de março de 2012

Iniciativa

Quando eu era criança, gostava de brincar sozinho. Aviões, trens, caminhões, carros, cavalos. Quietinho na grama verde. Não era muito exigente, contanto que pudesse passar meu tempo, podiam ser quaisquer objetos. Alguma coisa sólida já bastava. A criatividade não tem limites mesmo, sempre se superando. Eu vivia me superando, era o meu passatempo. Na escola, eu prestava atenção às aulas, refletia, e, durante o intervalo, eu passava o tempo comendo. Depois de brincar, comer era a melhor opção.
               Quando eu era adolescente, eu gostava de ler. Ciência, romance, informação, poesia, fascinado. Eu lia na sala, no quarto, no banheiro, no quintal, lia comendo até. Além disso, eu gostava de música. Clássica, rock, eletrônica, moderna, qualquer coisa bonita. O meio mais sinestésico de passar o tempo, eu relacionava notas a cores. Na universidade, eu prestava atenção a cada palavra técnica maravilhosa e apreciava a formalidade das coisas, e, na hora do intervalo, a biblioteca e campos limpos eram minhas maneiras de passar o tempo. Fotografei umas coisas lindas também. Nessa época até emagreci mais.
             Na vida adulta, o dinheiro acabava. Não arranjei emprego. Meus pais se foram. Os livros que eu tinha começaram a ficar repetitivos, e as fotografias compartilhavam semelhanças demais. Nenhum exercício matemático era desafiador o suficiente para me prender na cadeira. A velha grama cresceu demais, ficou feia. Os velhos campos bem cuidados se transformaram em blocos de estudo. Não tinha muita coisa para se fazer sozinho, nenhum encanto. Tentei desenhar, mas não havia motivação. Eu esperava firmemente que algo fosse mudar, com o tempo.
               Agora, resta-me menos a fazer. A esperança se dissolveu junto com minhas chances. E a vida passa. Percebo: A mudança para melhor parte do próprio sonhador. Passei tanto tempo comigo, livre, mas epifanias dentro de um carro em queda são desprezíveis. Caindo de um viaduto, fugindo dos caras da concessionária, fugindo da vida, fugindo do céu. Eu quero uma namorada, um melhor amigo, uma carreira. Eu quero respirar poluição, incensos, gases, plantas. A dois metros do chão, frio, enquanto a minha vida termina de passar em poucos segundos, desejar voltar a ler é inútil. Não dá tempo para colocar o cinto de segurança. Eu quero um primeiro beijo, um abraço singelo, uma carta de amor, uma gagueira apaixonada, perder a virgindade no conforto e calor de quem eu quero estar perto. Tento aproveitar meu tempo, agora. Eu quero arranjar confusões com meus amigos, enfrentar problemas, sofrer por nervosismo antes de provas e após uma árdua demissão. Eu quero querer ter pessoas de volta depois de perdê-las. Quero poder, ao menos, mover meu braço agora, me abraçar. Eu não quero morrer.

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